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Mittwoch, 15. Oktober 2008 um 10:52
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“Quia nolunt dimittere credere pro credere, sed credere

per intelligere*”:

 

Raimundo Lúlio e seus contemporâneos judeus *

Harvey Hames

Departamento de História

Universidade Ben Gurion, Israel.

* Conferência no Seminário Internacional sobre Raimundo Lúlio e o Diálogo Inter-religioso, em 15/09/2001, no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, Brasil

Em vários trechos da sua grande obra, Raimundo Lúlio conta o que aconteceu a um certo frade dominicano durante uma missão de conversão. O frade vai a Túnis, onde debate com o Sultão al-Mustansir.[1] Esse frade muito competente pôde provar ao Sultão a falsidade do Islã; no entanto, não conseguiu demonstrar os alicerces da fé cristã, dizendo que “a fé dos cristãos não pode ser provada”. O frade entregou ao Sultão uma lista em árabe de doutrinas cristãs, dizendo-lhe que deveria lê-las e acreditar nelas. O Sultão irritou-se com o frade porque ele havia destruído sua crença nos preceitos do Islã sem fornecer-lhe uma alternativa. Como resultado, o Sultão expulsou o frade e seus companheiros. Lúlio continua: “Eu mesmo vi o frade e seus companheiros. Mais tarde, esse frade aprendeu a falar hebraico e, entre uns outros, costumava polemizar, em Barcelona, com um certo judeu, que conhecia bastante o Hebraico e um rabino. Esse judeu me disse em muitas ocasiões que se ele (por exemplo, Marti) pudesse demonstrar definitivamente pela razão a verdade da fé na qual ele acreditava (por exemplo, o cristianismo), então ele (o Rabino) tornar-se-ia um cristão”.[2] Já foi sugerido que o frade fosse o renomado Raimundo Marti, autor do monumental e polêmico tratado Pugio Fidei. O Rabino judeu em questão havia sido previamente identificado como Nahmanides; de qualquer modo, se o frade mencionado for mesmo Raimundo Marti, então o disputante judeu deve ser Solomon ibn Adret, discípulo de Nahmanides e líder da comunidade no final do século décimo terceiro e começo do décimo quarto.[3]

Num trabalho curto escrito em 1309 que discutia a conformidade ou harmonia que deveria existir entre fé e razão, Lúlio escreveu que “não se deve querer renunciar a uma crença em favor de outra, mas (renunciar) a uma crença em prol da compreensão”. Em outras palavras, só se deve abandonar a própria fé estando totalmente convencido da verdade da outra fé.[4] Num outro trabalho, no qual a Fé disputa com o Intelecto, escrito em Montpellier em 1303, o Intelecto persuade a Fé acerca da importância de poder provar, pela necessária razão, a verdade da fé cristã.[5] Para Lúlio, ao querer persuadir um judeu ou um muçulmano a converter-se ao cristianismo, não bastaria ridicularizar sua fé e mostrar que é totalmente falsa, e sim dever-se-ia poder provar definitivamente, até satisfazer o oponente, a verdade do cristianismo. É bastante interessante verificar que os sentimentos de Lúlio têm eco numa rejeição judaica da argumentação cristã, formulada pelo já mencionado Solomon ibn Adret. Ele escreveu:

... e alguém que busque separar uma pessoa de sua fé, convertendo-a a outra fé com a qual ela (quem está se convertendo) não tenha familiaridade, precisará, em qualquer caso, apresentar muitos argumentos sólidos e muita pesquisa até que ele possa superar, por sua própria investigação, (crenças) a que está. Isso lhe deveria ser ensinado [argumentos] e ele deveria estudá-los e interiorizá-los em seu coração [a alma] muitas e muitas vezes, testando-os com fé até descobrir se são verdadeiros, e se não são refutáveis. Porque, sem isso, estaria faltando integridade a uma pessoa para trocar seu Deus baseando-se em argumentos fracos, e nem mesmo argumentos sólidos deveriam [fazer] com que ele [se converta] até que os tenha investigado e achado que não há mais espaço para dúvida.”[6]

Para ibn Adret, era detestável a idéia de que alguém pudesse ser forçado a converter-se, ou que alguém se converteria sem ter pesquisado profundamente a outra fé e chegado à conclusão irrefutável de que ela era verdadeira. Embora para Lúlio a conversão dos incrédulos fosse algo desejável e em prol da qual se deveria trabalhar, e para ibn Adret, algo contra o que lutar, ambos concordavam que se alguém decidisse converter-se, deveria ser por convicção completa e não por coerção.

O incidente em Túnis, seguido pelas discussões em Barcelona entre Marti, o Rabino, ibn Adret e Lúlio, resume os diferentes enfoques acerca do tema da conversão religiosa ao fim do século treze. Marti era produto do mundo da universidade e adotava uma metodologia escolástica para a conversão, enquanto Lúlio era um dissidente autodidata, que desenvolveu sua própria abordagem para esse tema. Para Marti, ainda que as doutrinas das outras fés pudessem ser derrubadas, as doutrinas cristãs não se podiam provar pela razão, devendo-se acreditar nelas, enquanto para Lúlio era, mais que possível, necessário, provar os alicerces do cristianismo. Se ibn Adret pôde frear Marti porque ele não podia “demonstrar definitivamente pela razão a verdade da fé em que acreditava”, não teria podido fazer o mesmo com Lúlio.

Porém, para compreender o contraste entre Marti e Lúlio, é necessário primeiro ter uma visão rápida dos desenvolvimentos intelectuais no mundo judaico e iluminar alguns dos muitos pontos de contato com o cristianismo. Como havia feito no mundo cristão o renascimento do décimo segundo século, a transmissão do conhecimento na Europa Ocidental também gerou tópicos importantes na comunidade judaica[7]. O ampliado estudo da obra de Aristóteles, combinado com a presença gigantesca de Maimonides (cerca de 1204), mostra que os rabinos e os intelectuais estavam tratando de racionalizar sua fé, reexaminando questões existenciais centrais, tais como o relacionamento entre o Criador e a criação, Deus e o homem, e o raciocínio que sustenta o cumprimento dos mandamentos[8]. Ainda que a crescente influência dos trabalhos de Maimonides tenha contribuído para isso, foi o aristotelismo mais radical, especialmente na forma de averroísmo, que o próprio Maimonides rejeitava, o que causaria a maior consternação, no transcorrer do século. Os Rabinos no sul da Europa, como seus contemporâneos cristãos ao norte, estavam redescobrindo a natureza e o ser, e isso os levou a ler e interpretar a Torá e seus preceitos de modos novos e provocadores[9].

Esses desenvolvimentos geraram uma reação “conservadora”, que era, na verdade, radical e inovadora. Preocupados com o que viam como um distanciamento entre o homem e Deus e um posicionamento filosófico que minava as preocupações e práticas diárias de muitos judeus, alguns dos expoentes dum judaísmo esotérico e místico, de raízes incertas, enxergaram nele o potencial para restabelecer o equilíbrio e restituir a vitalidade do judaísmo[10]. Os expoentes desses ensinamentos místicos, conhecidos como Cabala, sustentavam que seus ensinamentos teosóficos não eram inovações, mas que estavam revelando conceitos antigos que haviam sido transmitidos oralmente de mestre a discípulo. As afirmações dos cabalistas eram conservadoras quanto ao fato de que tudo havia sido revelado a Moisés no Sinai e então transmitido de geração em geração. Eles estavam só divulgando ensinamentos teosóficos que haviam ficado escondidos durante muitas gerações, mas que eram parte duma longa corrente de transmissão que remontava à divina teofania[11]. As implicações esotéricas e místicas desses ensinamentos, especialmente aqueles que tinham a ver com o Sefirot, passaram a ser consideradas importantes para redefinir os temas do relacionamento imanente entre o homem e Deus, a criação e o valor do cumprimento dos mandamentos.

Portanto, o surgimento da Cabala no século décimo terceiro foi não apenas uma reação ao crescente perigo da apostasia, mas uma alternativa viável para explicar e imbuir a vida judaica de nova vitalidade e conteúdo. O movimento cabalístico não era somente uma doutrina esotérica restrita a uma elite, mas um sistema religioso alternativo que procurava engajar-se com toda a comunidade, fornecendo novo conteúdo aos ensinamentos judaicos. O que foi erroneamente denominado como a controvérsia maimonideana do décimo terceiro século foi na realidade a luta do conservadorismo contra tendências mais modernistas, ou o confronto dos cabalistas tradicionalistas tanto contra o filosofar mais generalizado como contra o mais radical. Era um conflito entre um enfoque do judaísmo novo e essencialmente racional e as necessidades da comunidade no exílio, requerendo uma Deidade mais tangível e imanente com quem se pudesse compartilhar a dureza da realidade diária. Porém, enquanto a Cabala apresentava-se como uma reinterpretação, mais que uma inovação, a mera introdução, nesse momento, de tal teosofia no pensamento geral do judaísmo, foi inovadora. A transferência desses ensinamentos do domínio privado duma elite muito pequena e selecionada para o domínio público e a interpretação dada a eles à luz das circunstâncias sociais foram um passo radical que não passou despercebido e que teve oposição interna. De maneira similar aos desenvolvimentos no pensamento cristão durante esse século, havia aqueles que estavam preparados para aplicar os métodos filosóficos recentemente descobertos às reclamações da verdade religiosa, em prol de esclarecê-las à luz do conhecimento contemporâneo, enquanto outros tentavam resistir a essa tendência tão perigosa como desnecessária considerando-se a verdade revelada que se encerrava em se mesma[12]. Portanto, o século treze foi mormente uma tentativa de encontrar o equilíbrio certo entre duas ideologias supostamente em oposição, uma inovadora e olhando para frente, a outra tradicional e conservadora em aparência. Na realidade, porém, a última era tão inovadora e radical quanto a primeira[13].

Ainda esse judaísmo que se estava reexaminando também enfrentava sérios desafios externos. A tolerância e a aceitação da presença judaica na sociedade cristã, o que por muitos séculos havia sido determinado, em sua maior parte, pelo ensinamento de Santo Agostinho acerca dos judeus como testimonium veritatis, estavam sendo seriamente revistas. Jeremy Cohen sugeriu que a atitude perante os judeus mudou durante o século doze, porque eles perderam sua peculiaridade como o único "outro" dentro da sociedade cristã[14]. A necessidade de relacionar-se racionalmente com os muçulmanos também mudou o status dos judeus porque seus textos pós-bíblicos, assim como os textos islâmicos, foram minuciosamente analisados. Foi o alargamento dos horizontes cristãos, associado a "novos" textos e modos de pensar sobre o mundo e seu próprio lugar nele, que fez os cristãos mais críticos em relação àqueles que não estavam intra ecclesia[15]. Além do mais, os desafios do raciocínio filosófico para as doutrinas cristãs fundamentais levaram os eruditos a examinar os textos judaicos pós-bíblicos visando descobrir neles suporte para a verdade do cristianismo. Conseqüentemente, os escritos polêmicos não deveriam ser analisados como um fenômeno separado ou único, mas devem ser vistos como uma parte integrada do que estava acontecendo em círculos intelectuais cristãos nesse período[16]. Como tais, eles são uma reflexão das próprias dúvidas cristãs e da necessidade de substanciar a verdade religiosa em território alheio, mostrando que os textos judaicos afirmam a cristandade e conseguindo a conversão judaica, dando assim confirmação da verdadeira fé.

Não é surpreendente, portanto, que embora instigado em Roma, o pontapé inicial desse esforço conjunto para converter os judeus deu-se em Paris em 1240, onde o Talmud foi submetido a uma análise detalhada, declarado blasfemo e até mesmo queimado. Uma longa lista de erros e blasfêmias contidas no Talmud foi compilada por Eudes de Chateauroux, de forma bem similar à qual erros filosóficos seriam condenados. Para os teólogos de Paris, qualquer coisa que pudesse prejudicar a verdade da cristandade era suspeita e precisaria ser purificada. Portanto, se o Talmud era blasfemo, isso poderia causar dano à fé e atrapalhava os judeus a enxergar a verdade[17]. O caminho que leva de Paris a Barcelona em 1263 e de lá ao Pugio Fidei de Raimundo Marti é direto, embora os teólogos cristãos percebessem que ao lado das blasfêmias, havia muito na literatura rabínica que indicava que os sábios judeus haviam enxergado a verdade do Cristianismo. A famosa disputa em 1263 entre o apóstata judeu que virara dominicano, Frei Paulo, e o incontestável líder da comunidade judaica na Espanha, Nahmanides, é um bom exemplo da aplicação da metodologia escolástica ao trabalho de conversão, da leitura cuidadosa da literatura pós-bíblica e também de uma expressão do apaziguamento, tendo base em provas encontradas nos textos judaicos, da própria dúvida cristã.

O Pugio Fidei de Raimundo Marti é o exemplo mais potente dessa nova e intensa aproximação cristã aos textos judaicos, tanto para confirmar as verdades cristãs como para atingir conversão. A metodologia usada é a de um comentador escolástico, implicando numa análise detalhada e muito cuidadosa dos textos relativos ao problema específico, visando chegar a uma conclusão razoável e comedida. Na segunda parte do Pugio, Marti busca embasamento nas fontes judaicas para o fato de que Messias já tivesse vindo e, na terceira parte, ele trata da Trindade. Nela, Marti desejava provar que existe uma Trindade e elaborar o processo de salvação desde a criação do homem e o pecado original até a redenção por meio da encarnação de Cristo. Os métodos utilizados são uma leitura e tradução cuidadosa dos textos relevantes, o uso de comentadores medievais judaicos, tais como Rashi e o Rabino David Kimhi (Radak), como autoridades no significado literal, além de mostrar como os textos escolhidos ilustram o princípio em discussão.

A crescente pressão sobre os judeus na Espanha fica evidente também pelas muitas solicitações das ordens mendicantes de licenças para pregar aos infiéis. O Papa Inocêncio IV, numa carta de 1245 (que inclui parte de uma das primeiras missiva do Rei-Conde Catalão-Aragonês, Jaime I), conclui: "Além disso, nós desejamos e decretamos que, quando quer que os arcebispos, bispos, ou dominicanos e franciscanos cheguem a uma cidade ou aldeia onde possam ser encontrados judeus ou muçulmanos e eles desejem pregar a palavra de Deus a esses muçulmanos ou judeus, eles devem reunir-se atendendo a seu convite e escutar pacientemente sua pregação e, se eles não quiserem vir por sua própria e livre vontade, dando todo tipo de desculpas, nossos oficiais deverão compeli-los a participar".[18] Jaime I já havia dado permissão para esse tipo de pregação em 1243, ano em que ele mesmo tomou parte das conseqüências da disputa de Barcelona. Os dominicanos, em particular, eram muito ativos nesse empreendimento. Ainda que os judeus tivessem, a princípio, de ir ao templo católico para ouvir sua pregação, em decorrência da violência decorrente essas atividades foram transferidas para o bairro judeu (convocação) e limitou-se o número de pessoas a quem se permitia acompanhar os mendicantes[19]. Além do mais, a polêmica religiosa estava também nas mãos de leigos, como exemplifica a disputa de Maiorca em 1268, que envolveu um comerciante genovês e um dos estudiosos judeus locais[20].

Portanto, a comunidade judaica, enquanto tentava superar as desavenças internas já mencionadas, também tinha que chegar a um acordo quanto à crescente atividade polêmica cristã, que mal podia ignorar. A intensa aplicação da razão à fé e a crescente abertura a novas idéias mostram que a apostasia era um perigo real que tinha de ser combatido. Neste ponto, é possível ver como as correntes intelectuais atravessam as fronteiras religiosas e influenciam e mudam sentimentos culturais. Milhamot ha-Shem, uma resposta judaica às reclamações cristãs, escrita no final do século XII por Jacob ben Reuven, reflete a extrema confiança no mundo cristão na razão (como aquela da ancilla theologia). No primeiro capítulo, o adversário cristão de Reuven diz: “e eu trarei-lhe provas da criação para que, por meio delas, você possa compreender a grandeza do Criador...”, e ele continua provando os artigos da fé usando a razão[21]. Jacob responde com sua própria argumentação filosófica com o intuito de derrubar as afirmações cristãs. Os outros capítulos do trabalho retomam o antigo padrão de procurar em fontes autorizadas, nesse caso somente a Bíblia, provas da verdade do cristianismo. Nos últimos capítulos, Jacob toma o método cristão e aplica-o, ele mesmo, ao Evangelho de Mateus.

As respostas judaicas no século treze refletem os ventos da mudança no campo cristão, no qual as limitações do raciocínio filosófico por motivos teológicos estavam sendo continuadamente expostas e contestadas. Os trabalhos polêmicos judaicos concentram-se em refutar as interpretações cristãs dos textos bíblicos e rabínicos. Em outras palavras, o que acontece é um intercâmbio escolástico acerca do significado dos textos judaicos fundamentais que parecem implicar verdades cristãs, em vez de tentativas de provar definitivamente os artigos da fé. Neste sentido, pode-se citar o Vikuah de Nahmanides, que é sua revisão literária da disputa de Barcelona[22]. Um outro bom exemplo é o Nizzahon Vetus, escrito ao final do décimo terceiro século, que analisa as fontes judaicas comumente usadas pelos polemicistas cristãos, e refuta suas afirmações. O autor faz também numerosas citações do Novo Testamento para ridicularizar as crenças cristãs[23]. O mencionado Solomon ibn Adret escreveu, segundo as mesmas linhas, suas longas e detalhadas refutações das reclamações de Raimundo Marti[24]. Os polemicistas judeus não precisavam engajar-se com os seus próprios sistemas de crenças, porque seus interlocutores cristãos estavam interessados apenas no que os textos revelavam sobre o cristianismo. Desde que pudessem fornecer leituras razoáveis e alternativas, suas identidade e crenças judaicas não corriam muito perigo de ser afetadas.

Dados os interesses intelectuais comuns, não é nada surpreendente que as contínuas controvérsias dentro do campo judaico entre os cabalistas e os racionalistas também estivessem conectadas com a polêmica judaico-cristã. Por exemplo, Meir ben Simon de Narbonne também escreve contra os cabalistas em seu trabalho polêmico Milhemet Mitzvah, que incorpora discussões tidas por ele com o Bispo e outros dignitários. Ele afirma estar escrevendo “para contradizer aqueles que falam mal de Deus e dos homens sábios que andam no caminho da Torá pura e que são tementes a Deus. E eles (os cabalistas) consideram-se sábios e inventam coisas, chegando perto da heresia, e pensam conseguir provas de seus ensinamentos no Aggadot, que eles interpretam incorretamente".[25] Tanto os cabalistas como os cristãos estão usando o Aggadot - Midrash para promover seus objetivos e ambos são igualmente perigosos para os judeus. David Kimhi, que apoiava o estudo da filosofia, escreveu uma resposta à Cristandade, sendo também muito ativo na tentativa de combater a difusão da Cabala. Mesmo dentro das fileiras dos cabalistas havia desacordo e controvérsia, o que vem à tona no comentário feito pelo enlevado cabalista Abraão Abulafia que, não gostando dos ensinamentos sefiróticos teosóficos dos seus colegas, disse: “e portanto eu lhes digo que os cabalistas sefiróticos, pensando unificar o Nome (de Deus) e esquivar-se de todas as idéias de trindade, fizeram Deus em dez, e como os cristãos dizem que ele é três e os três são um, logo alguns dos cabalistas crêem e dizem que a Divindade são dez sefirot e que os dez são um".[26]

Solomon ibn Adret, cabalista e líder da comunidade catalã, era ativo tanto na tentativa de mitigar os males da especulação filosófica radical e os perigos que ela representava para o bem-estar da comunidade, quanto na resposta à polêmica cristã. Numa carta contra Levi ben Abraham de Villafranche, ele escreveu: “e a lei sua e de seus companheiros é pior que aquela das nações. Se os gentios (querendo dizer cristãos) contestam e interpretam dois ou três versos de acordo com sua hermenêutica, ele e seus companheiros não deixam uma letra sequer da Torá (intacta) ... Há estrangeiro ou gentio ... que venha arruinar toda a Torá dizendo que Abraão e Sara são matéria e forma? ... e uma pessoa assim estaria devastando os fundamentos (kotsetz ba-neti'ot)... e Deus sabe que é melhor, na minha opinião, ouvir isso de um cristão ou muçulmano que de um homem como ele”. Na continuação da carta ele escreve: “e agora vejam, oh! vejam, o maior dos maiores, que escreveu um livro e fez dos nomes dos quatro reis os quatro elementos... e o que ele fará com os mandamentos da Torá? ... e essas pessoas são hereges em qualquer fé e sua excomunhão está gravada nos livros de todas as nações".[27] Numa carta aberta à comunidade de Montpellier, Solomon ibn Adret refere-se ao que os cristãos teriam feito (e fizeram) às pessoas que apareciam fazendo tais observações: “... vejam como os cristãos punem seus hereges, ainda que tenham cometido uma só de tais heresias assim como esses homens expressaram em seus livros, pois se alguém se atrevesse a dizer que Abraão e Sara representam matéria e forma, eles cobririam-no de gravetos e queimariam-no até as cinzas. Todas as nações baseiam sua linhagem neles e essas pessoas dizem que eles não são nada além de símbolos!".[28] Também é importante nesse contexto que (tal como seu mestre e mentor, Nahmanides), Solomon ibn Adret afirme que nem todos os Midrashim são sagrados e que não se pode de forma alguma tomá-los pelo que aparentam ser[29]. Ele estava bem ciente de que tanto os cabalistas como os cristãos estavam usando os textos agádicos para levar adiante suas próprias causas, e ele queria que os que tinham dúvidas voltassem aos fundamentos judaicos[30].

É somente nesse contexto flutuante e dinâmico que Raimundo Lúlio pode ser avaliado com precisão, visto que ao mesmo tempo em que estava ciente das correntes intelectuais do mundo cristão do norte, estava totalmente imerso no ambiente social, político e religioso da Coroa de Aragão e de seus arredores. Sua Arte apenas pode ser compreendida de fato se for vista como parte desse meio intelectual e, ainda que seu primeiro encontro com a universidade em Paris (1287-89) o tenha levado a realizar mudanças importantes na estrutura da Arte, seus preceitos e o método que a sustenta são produto do mundo mediterrâneo. Exposto com simplicidade, a combinação do racional e do místico, junto ao desejo de debater e provar os mistérios da fé cristã, distancia Lúlio da metodologia escolástica de pessoas como Tomás de Aquino ou Raimundo Marti. O desenvolvimento de uma Arte que despreza textos autoritários sugere uma estrutura baseada em princípios que poderiam ser aceitos pelas três fés e depende do conhecimento e da utilização das tendências religiosas contemporâneas, o que fortemente coloca Lúlio no contexto da Coroa de Aragão do século décimo terceiro. A concentração de Lúlio em temas como as dignidades divinas, a estrutura interna de Deus e a relação entre Deus e a criação mostra sua percepção dos mesmos tópicos que estavam sendo contemplados e debatidos nos círculos judaicos (e muçulmanos) contemporâneos e sua compreensão dos obstáculos a superar para atingir a conversão. Lúlio sabia que os judeus e os muçulmanos estavam sendo desafiados por estímulos intelectuais similares aos dos cristãos e portanto, se apresentadas de maneira convincente, havia bases comuns o suficiente para engajar-se no debate e provar a superioridade do Cristianismo. E foi a utilização desse conhecimento do Judaísmo e do Islamismo de então com o propósito da conversão que fez com que o desafio formulado por Lúlio fosse muito mais potente que aquele dos mendicantes.

Lúlio diferia de muitos dos seus contemporâneos envolvidos no trabalho de conversão por ser um autodidata e por sua formação vir principalmente do livro da vida, em vez dos livros dos teólogos e das universidades. Nascido por volta de 1232 em Maiorca (recentemente reconquistada dos muçulmanos por Jaime I), fazia parte da nobreza e cresceu numa importante cidade portuária com uma população de múltiplas culturas e religiões. Judeus, cristãos e muçulmanos misturavam-se nas ruas e nos mercados, e ninguém com o agudo senso de observação de Lúlio poderia furtar-se a aprender muito sobre as crenças e os hábitos dos membros das outras fés[31]. A conversão de Lúlio à vida religiosa, deixando a libertinagem e a mundanidade, foi o resultado de recorrentes visões do Cristo na cruz no canto de seu quarto. Sua criação de uma "nova" estrutura para o debate religioso foi novamente resultado de outra revelação divina cerca de nove anos mais tarde[32]. As visões, que ocorreram quando ele tinha mais de trinta anos, levaram-no a compreender que ele teria de dedicar sua vida a três coisas: a conversão dos incrédulos, para a qual ele estava pronto a entregar sua vida; a fundação de monastérios onde pudessem ser ensinadas as línguas necessárias e a escrita de um livro contra os erros dos incrédulos[33].

Esse livro era a estrutura da Arte, divinamente revelada a Lúlio, com a qual ele tinha certeza que convenceria os incrédulos quanto à verdade do Cristianismo[34]. Essa “língua comum” era também a base para excursões a quase todos os campos medievais do conhecimento para mostrar como tudo era redutível ao princípio mais simples e geral – Deus. Em outras palavras, a Arte era uma linguagem cujas gramática e sintaxe eram a estrutura dinâmica da criação; o verdadeiro conhecimento dela revelava a estrutura interna e eterna do divino. Usando condições, regras e princípios gerais aceitáveis às três fés monoteístas, o Artista (quem pratica a Arte) descobriria a natureza inerente do ser supremo. De acordo com Lúlio, a religião que se mostrou verdadeiramente compatível com esta Arte divinamente inspirada era o Cristianismo. Em outras palavras, isso não significa que as outras fés estejam baseadas em falsas premissas, mas que elas não compreendem totalmente a linguagem da realidade. A disputa baseada na estrutura da Arte permitirá aos membros de cada fé explorar suas próprias doutrinas religiosas e aquelas das outras fés e, fazendo as perguntas certas, chegar às conclusões necessárias.

Conseqüentemente, Lúlio estava tentando, de fato, criar uma estrutura por meio da qual pudesse ocorrer a disputa religiosa, e na qual os disputantes deveriam engajar-se entre si, em vez de fazê-lo com um texto autoritário[35]. Concordando em disputar segundo os princípios, regras e condições da Arte, com a qual teriam poucas razões para discordar, os interlocutores estavam forçados a questionar e provar doutrinas centrais das suas fés, em vez de entregar-se à em prática de sofística hermenêutica. Também lhes era pedido que examinassem suas concepções e sua compreensão da essência de Deus, da natureza divina e da relação entre Deus e a criação[36]. Assim, de acordo com Lúlio, o uso correto da Arte levaria ao conhecimento e à identificação da estrutura trina e una da essência divina.

A primeira exposição da “forma e método” da Arte foi a Ars compendiosa inveniendi veritatem (Arte Concisa para encontrar a Verdade), provavelmente em 1274. Antes disso, Lúlio havia escrito o Llibre de Contemplació en Deu (Livro da Contemplação em Deus), um gigantesco trabalho enciclopédico no qual examina a totalidade do ser (sensato e inteligível, humano e divino, visível e invisível). Nele a exposição lógica está misturada com clamores enlevados exaltações de êxtase de alegria e felicidade. Nesse trabalho encontram-se as sementes de todo o seu pensamento posterior, mas sem a organização e terminologia que forneceriam a estrutura para a disputa[37]. A revelação divina no Monte Randa forneceu a Lúlio as ferramentas para organizar suas abrangentes idéias numa estrutura coerente. Essa estrutura seria continuamente redigida, refinada e melhorada ao longo dos trinta anos subseqüentes, sendo a última versão a Ars Generalis Ultima, escrita em 1305-8 juntamente à Ars Brevis, sua companheira mais curta e popular.

Como já foi mencionado, Lúlio estava bastante ciente de que as questões referentes à natureza do divino e à relação de Deus com a criação estavam tomando as mentes dos seus contemporâneos religiosos. Ele estava certo que, se muçulmanos e judeus pudessem ser convencidos de que a essência divina deve ser internamente e eternamente trina e una e de que a encarnação era necessária, então eles teriam de admitir a verdade do Cristianismo e converter-se. Portanto, Lúlio baseou sua Arte na crença fundamental das três fés monoteístas, ou seja, que existe um Deus que é a causa de todas as coisas e que criou o mundo. A Arte gira em torno da figura A, um círculo com uma série de letras distribuídas igualmente ao redor da circunferência, representando, na fase quaternária da Arte, os atributos divinos e, na fase ternária, junto com a figura T, os princípios da Arte que levam a Deus como sua expressão mais perfeita[38]. Seja chamando-se Dignitates, Sefirot ou Hadras, Lúlio propôs que toda discussão começasse a partir desses princípios mais gerais que todos crêem, em concordância e sem nenhuma contrariedade, como existentes em Deus. Dado que o mundo é criado na imagem de Deus e citando a máxima neoplatônica “Bonum est diffusivum sui (a Bondade que necessariamente se difunde por si mesma), Lúlio sugeria que a criação é uma imagem dessas perfeitas dignidades divinas. Como Antônio Bonner pondera, a respeito de Lúlio: “cada uma das dignidades tem seu efeito no mundo de acordo com a capacidade individual da criatura para receber a imagem de Deus e com o grau da concordância da criatura com as dignidades”.[39] Conseqüentemente, tudo o que existe reflete a estrutura divina e, demonstrando-se a estrutura do ser, toma-se conhecimento do divino.

Usando aquilo a que Lúlio se refere como "a necessária razão" que é a forma da Arte, é possível descer do princípio mais geral, Deus, ao mais particular, ou subir do princípio mais particular ao mais geral. Assim a natureza ou a criação vira uma “scala”, uma escada do ser, pela qual o homem pode subir da sensação ao conhecimento racional e deste à descoberta do “ser supremo em quem todos os nomes divinos coincidem ou se juntam”.[40] As outras figuras da Arte, e particularmente a figura T, permitem ao intelecto examinar proposições variadas, afirmando-as ou negando-as, usando os diferentes elementos da criação como metáforas ou analogias. O que emerge é que o intelecto enxerga que a atividade dinâmica das dignidades na criação somente pode ser compreendida numa estrutura trina e una, e que o que é verdade da criação deve ser verdade de Deus. À forma amadurecida desse pensamento refere-se como a teoria dos correlativos da ação[41].

A última afirmação pode ser melhor explicada citando-se uma passagem da biografia bastante seletiva de Lúlio, narrada a “certos monges que eram seus amigos”, a qual exemplifica o uso da Arte por parte de Lúlio para propósitos de conversão. O diálogo aqui descrito teve lugar em Túnis em 1292, depois que Lúlio se havia recuperado de uma séria crise psicológica em Gênova que quase o levou a abandonar completamente sua missão. Chegando por fim a Túnis, Lúlio, de acordo com sua narração dos eventos, anunciou sua vontade de converter-se ao Islamismo caso os eruditos muçulmanos fossem capazes de provar conclusivamente os alicerces da sua fé. Durante os poucos dias subseqüentes, numerosos estudiosos tentaram sua sorte, mas Lúlio pôde superá-los dizendo:

É apropriado para todos os homens sábios aceitar essa fé que atribui ao Deus eterno, no qual crêem todos os homens sábios do mundo, a maior bondade, sabedoria, virtude, verdade, glória, perfeição, etc., e todas essas coisas na maior igualdade e concordância. E mais digna de louvor é essa fé em Deus, que estabelece a maior concordância ou acordo entre Deus, que é o mais alto e a primeira causa, e Seu efeito.

Porém, como resultado do que vocês me apresentaram, eu vejo que todos vocês, sarracenos, que pertencem à religião de Maomé, não compreendem que nas Dignidades Divinas mencionadas e em outras similares, existem atos característicos, intrínsecos e eternos, sem os quais as dignidades seriam inúteis, e isso desde toda a eternidade. Os atos da bondade, eu os chamo bonificativos (bonificativum), bonificáveis (bonificabile) e bonificantes (bonificar), enquanto aqueles da grandeza são magnificativos, magnificáveis e magnificantes, e assim sucessivamente para as dignidades antes mencionadas.

Mas considerando-se, como eu já vi, que vocês atribuem esses atos a apenas duas dignidades ou razões divinas, quer dizer, à sabedoria e a vontade[42], fica então claro que vocês deixam as outras dignidades supra-citadas num estado de inatividade, estabelecendo conseqüentemente desigualdade e desacordo entre elas, o que não está certo. Assim, por meio dos atos substanciais, intrínsecos e eternos das Dignidades, Razões ou Atributos, vistos de forma igual e concordante, como deveriam ser, os Cristãos provam claramente que numa essência e natureza Divina simples e completa existe uma Trindade de indivíduos, especificamente o Pai, o Filho e o Espírito Santo[43].

Lúlio teve sorte de escapar com vida desse embate, pois havia muçulmanos importantes que pediram sua execução. Finalmente, ele foi embarcado, indo embora de Túnis com ordens expressas de nunca mais voltar. Porém, o que fica imediatamente aparente dessa disputa é a vontade de Lúlio de embrenhar-se nos mistérios da fé cristã e prová-los conclusivamente. Ele começa do que é comum a todas as fés, as divinas dignidades, sendo capaz de mostrar aos muçulmanos, neste caso, que sua própria compreensão da existência das dignidades em Deus deve implicar uma estrutura trinitária. Assim, se se quer evitar mudanças na Divindade, então não há alternativa senão admitir a existência de uma tríade de agente-paciente-ação dentro das dignidades, que é a essência divina. Esses correlativos da ação são imperativos ao explicar como a criação poderia ocorrer sem implicar uma mudança, num momento específico, à Divindade. Em outras palavras, para que a criação surja sem mudanças na Divindade, as dignidades deveriam ter estado ativas eternamente, e essa ação somente pode existir sem implicar em pluralidade se ela é trina e una.

Embora a passagem anterior seja citada num contexto relativo a sua missão com os muçulmanos, ela contém todos os elementos que fariam sua aproximação aos judeus igualmente potente. Estando ciente dos ensinamentos teosóficos a respeito do Sefirot como o aspecto revelado e criador da Divindade, aceito por muitos dos líderes da comunidade judaica com quem havia tido contato, Lúlio quis provar a eles que somente precisavam dar mais um pequeno passo para enxergar a verdade essencial e a necessidade da Trindade. E, se a existência de uma estrutura trinitária dentro de Deus prova-se necessária, então o resto dos ensinamentos cristãos também teria de ser reconhecido como verdadeiro, seguindo-se a conversão.

Embora não fosse direcionado especificamente para os judeus, o Libre de Déu parece ser uma reflexão fiel sobre a postura de Lúlio para com eles. O trabalho foi escrito em 1300, logo depois de ter sido dada a Lúlio, por parte de seu mentor Jaime II, a licença para pregar nas sinagogas da Coroa de Aragão. Não foi escrito em forma de diálogo, mas está dividido em duas seções principais, a primeira tratando de Deus de acordo com Sua essência, propriedades, dignidades e seus atos, e a segunda parte concernindo a Cristo e à Encarnação. Lúlio escreveu na introdução: “Este livro é muito útil para [adquirir] o conhecimento, e é possível estudá-lo num curto período... e ainda, com ele, pode-se disputar com os não crentes, demolindo os erros e objeções que eles têm contra a fé cristã, contra os quais, usando este livro, podem-se formular (contra) objeções e provas que eles não poderão derrubar usando a razão”.[44]

Lúlio começa, como em outros trabalhos, provando que deve existir um Deus que está a máxima distância da contrariedade e do mal, sendo a mais perfeita infinita bondade, grandeza e todas as outras dignidades[45]. Todas as dignidades devem ser iguais em essência e natureza. Caso contrário, seriam acidentes: em outras palavras, incapazes de existir em si mesmas, por si mesmas e sendo, portanto, imperfeitas. Assim, cada dignidade inclui e é essencialmente identificada com todas as outras dignidades. Lúlio continua, então, falando sobre os atos das dignidades, “sem os quais nenhuma das dignidades pode ser soberana. A bondade, por exemplo, sem bonificar [seu ato], poderia ter uma natureza inativa, o que seria maléfico e, como resultado, ela [a bondade] não seria soberana”, acontecendo similarmente para todas as outras dignidades[46]. Lúlio continua dizendo ser Deus a substância que é a natural bondade, grandeza, etc., e fornece uma lista de dez dignidades divinas, em vez das nove que se costuma encontrar nos seus trabalhos, sendo igual, obviamente, ao número do Sefirot[47].

Na passagem seguinte, Lúlio explica como a unidade de Deus apenas pode ser una na trindade. Quando pensado no contexto da disputa com os judeus, estes deveriam, então, pensar sobre (e explicar muito cuidadosamente) sua própria concepção da unidade de Deus. Os contemporâneos cabalistas de Lúlio tinham clareza total sobre o fato de Deus ter sabedoria ou vontade eternas; surge então esta pergunta: como podem esses atributos existir sem contradizer a unidade perfeita e simples da Divindade? Os relatos de Lúlio parecem fornecer uma explicação compreensível que permitirá a existência desses atributos sem, ao que parece, contradizer a unidade divina:

Deus compreende que Sua unidade é integral, e Ele não poderia compreender que Sua unidade é integral sem ter a natureza de unient, unit e unir, porque sem elas Sua natureza não teria força natural, ou concordância, igualdade, virtude, glória ou bondade naturais. O divino tem, portanto, unidade, que é a natureza integral de unient, unit e unir, tal que um é de um, como luz de luz; em outras palavras, que unit (paciente) é de unient (agente) e unir (ato de unidade) é de ambos os dois. E o unir é, pelo caminho de geração, o Pai e o Filho, e é o Pai e o Filho porque nessa geração (engenrar) e unificação (unir) o Filho é do Pai, o Pai gerando o Filho de Si mesmo e não de outro e cada uma [das pessoas] é uma propriedade pessoal individual e juntas são uma propriedade comum da qual procede uma propriedade pessoal individual denominada espiração passiva (espiracio) pelo [ato] da unificação (unir) e a espiração (espirar), em que unir e espirar são o Pai e o Filho através da espiração comum e, portanto, o espirar e o unir são um, de acordo com a propriedade comum, e são diferentes na propriedade individual[48].

Conseqüentemente, a própria unidade de Deus depende dessa trindade, sem a qual seria impossível atribuir a Deus quaisquer atributos sem contradizer essa unidade. Portanto, quando mis adiante no trabalho Lúlio pergunta “de que quantidade é Deus?”, ele pode responder: “Deus é uma substância sem acidentes. E, sendo a quantidade um acidente, Deus não pode ser um número baseado na quantidade e, além do mais, porque Deus é infinito e substância eterna, não existe lugar Nele para quantidade, seja de acordo com extensão, virtude ou tempo. E porque Deus não é consistente com quantidade, Deus o Pai, sem quantidade, produz e gera Deus o Filho eternamente e infinitamente, e o Pai e o Filho, sem quantidade, respiram (espiren) o Espírito Santo pelo [atos de] infinir e eternar[49]. Em outras palavras, se para que Deus seja uma unidade Ele deve ser uma trindade de operação eterna, então as pessoas da Trindade não são quantidade na divindade porque elas são a estrutura e unidade essencial de Deus.

Pode-se quase imaginar o diálogo entre Lúlio e seu opositor judeu como sendo mais ou menos assim:

Raimundo: “... Agora eu demonstrei conclusivamente a necessária existência de uma Trindade nas dignidades divinas, as quais são a essência integral de Deus e, portanto, a verdade da fé cristã.”

Solomon: “Ah, mas o que você mostrou é que Deus não é um ser perfeito simples, que existe uma pluralidade de pessoas nas dignidades (sefirot). Nós cremos que Deus é um ser eterno e simples com Suas dignidades (sefirot)”.

Raimundo: “Escute com atenção, a trindade não é uma pluralidade porque é a própria essência da unicidade e simplicidade de Deus. Sem esse relacionamento trinitário, Deus não poderia ser um em perfeita simplicidade e essa relação eterna e interna é o que nós cristãos chamamos a Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo”.

Solomon: “Hmm, dê-me um momento para pensar sobre isso...”

Lúlio pode então explicar a natureza da criação de uma maneira que tende bastante ao enfoque cabalístico: “Deus tem um modo e uma ordem particular para criar o mundo, com a maneira e a ordem das Suas dignidades, as quais requerem atividade (obra) e ordem nas criaturas... e porque a atividade e a ordem de Deus são grandiosas e boas, Ele criou criaturas boas e grandiosas, que são boas e grandiosas por natureza. E, se for assim, então Deus criou por esta razão e ordenou criar o mundo na ordem e maneira das Suas dignidades e da sua operação”[50]. Em outras palavras, a criação em si é um espelho da estrutura divina e é fluxo da operação eterna das dignidades (ou sefirot) na criação.

Esse ataque muito bem pensado contra os ensinamentos judaicos contemporâneos não poderia ficar sem resposta. O que Lúlio havia feito foi pegar os ensinamentos teosóficos judaicos sobre o Sefirot como a face revelada e criativa da Divindade, mostrando como por necessidade, para que Deus seja uma unidade, deveria haver uma relação trinitária entre eles. Psicologicamente, isto foi muito potente porque Lúlio não estava negando os ensinamentos judaicos, somente aumentando-os e levando-os a sua conclusão lógica. Isso poderia bastar para levar o judeu com dúvidas em direção ao Cristianismo. Caberia, portanto, a um dos interlocutores judaicos de Lúlio, o já mencionado Solomon ibn Adret, trazer o potencial apóstata de volta às bases do Judaísmo. Em outras palavras, o que Solomon ibn Adret fez foi minar as conclusões de Lúlio, mostrando que não eram a única explicação possível. Fazendo isso, ele poderia gerar dúvidas quanto à verdade das afirmações de Lúlio, fazendo com que os judeus reexaminassem tais argumentos e, como ibn Adret escreveu na passagem citada no começo deste texto: “Isso lhe deveria ser ensinado [argumentos] e ele deveria estudá-los e interiorizá-los em seu coração [a alma] muitas e muitas vezes, testando-os com fé até descobrir se são verdadeiros, e se não são refutáveis. Porque, sem isso, estaria faltando integridade a uma pessoa para trocar seu Deus baseando-se em argumentos fracos, e nem mesmo argumentos sólidos deveriam [fazer] com que ele [se converta] até que os tenha investigado e achado que não há mais espaço para dúvida.” Em outras palavras, a conversão deveria estar baseada não num bom argumento, mas na convicção e, de acordo com ibn Adret, não se pode ter certeza da veracidade das afirmações de Lúlio.

Ibn Adret baseia sua resposta às afirmações de Lúlio em duas fontes bastante conhecidas da polêmica cristã contra o Judaísmo, textos que Lúlio deve ter conhecido e poderia ter usado como o ponto inicial na explicação de suas idéias: “O erudito cristão pergunta a Solomon ibn Adret: “Nas orações, o nome de Deus é mencionado três vezes no Shema, o que pareceria implicar o oposto da sua afirmação. Pois a Trindade é indicada quando lá se diz “O Senhor nosso Deus o Senhor” e depois implica-se na completa unidade quando se diz “Um”. Além do mais, no Midrash [Salmos 50:1] se diz “El Elohim Yahweh falou a chamou-a terra”. Por que foram mencionados aqui esses três nomes? Para implicar que Deus criou Seu mundo com três atributos (midot)”.[51] O erudito cristão está sugerindo que dentro de cada Sefirah, existem os três atributos correlativos, quer dizer, a Trindade, a qual permite que a Divindade esteja ativa na criação.

Solomon ibn Adret respondeu:

E sobre o que os Rabinos disseram no Midrash, que com esses três atributos (midot) Deus criou o mundo, com os atributos El, Elohim e Yahweh, saiba[52], que existem três atributos: julgamento, misericórdia e um terceiro que é a conjunção total (mezugah) do raciocínio e da misericórdia. E saiba que é impossível que o mundo fique perfeito, e para esse propósito foi criado, com somente os dois primeiros atributos sozinhos. Se o mundo tivesse sido criado somente com o atributo do Julgamento em separado, não poderia ter existido nem por um momento, já que no existe nenhum homem justo no mundo que possa fazer sempre o bem e nunca pecar. E se ele pecou, o atributo do Julgamento teria agido de imediato, destruindo-o [o mundo], suas árvores, suas pedras e o mundo teria virado um deserto... E se o mundo fosse criado somente com o atributo da Misericórdia total, tudo seria igual, o bem e o pecado, e não haveria diferença entre quem acatou a lei de Deus e quem a transgrediu e não haveria julgamento porque o atributo da Misericórdia perdoaria todas as transgressões, e isso negaria a razão da criação, porque as criaturas foram criadas para adorar a Deus, escolhendo o bem e odiando o mal[53]. Conseqüentemente, é impossível para qualquer pessoa ter qualquer concepção da verdadeira intenção da criação [do mundo] até [que compreenda que] foi criado de um atributo que incorporou os outros dois atributos, para estender Sua misericórdia ao pecador, que talvez se arrependa e será sarado. E se ele ainda não se arrepende, a punição acontecerá neste e no próximo [mundo], e esta é a Verdade e está correta. E o nome Elohim representa o atributo do Julgamento completo. E o nome Yahweh, o atributo da Misericórdia completa. E o nome El é o atributo da total conjunção (mezugah) de ambos[54].

A seleção da terminologia feita por Solomon ibn Adret não deve ser vista como acidental e deve ser visualizada no contexto total da sua pergunta e da maneira como se trata o texto Midrástico. O uso da raiz hebraica mzg (conjunção) para descrever o relacionamento entre os dois atributos em oposição e o terceiro, é uma adaptação por parte de Solomon ibn Adret da terminologia Luliana, visando refutar Lúlio. Para Lúlio, a idéia de conjunció ou composta é de grande importância, visto que ajuda a explicar a relação entre as diferentes pessoas da Trindade e sua obra eterna nas dignidades, e era uma refutação da sua sugestão de que os três nomes de Deus concordassem com sua intrínseca estrutura trinitária das dignidades que Solomon ibn Adret queria atingir. Solomon ibn Adret, compreendendo os perigos inerentes aos ensinamentos de Lúlio, explicava que os três nomes não representam as operações internas das dignidades, o que permite que se realize a criação, mas que referem-se a três diferentes sefirots, sem os quais a criação teria sido impossível e o mundo não poderia ter existido. Ainda que isso não pareça refutar diretamente a Lúlio, trouxe alguns judeus duvidosos de volta a bases que ele compreendia e dentro de cujos parâmetros ele poderia imaginar a unidade de Deus sem uma estrutura trinitária.

Isto fica esclarecido na continuação da passagem em que Solomon ibn Adret parece aceitar a estrutura trinitária de Lúlio. Ele escreve:

E o que depois será revelado a você é o que está escrito no começo da Torá, “No dia Yahweh, nosso Deus fez o céu e a terra” (Gênesis 2:4), teria sido possível escrever o nome [de Deus] e, como se sabe, ele inclui tudo, como por exemplo, quando você pronuncia [a palavra] “homem” dizendo que incluiu tudo o que há na definição de homem... mas se você tenta mencionar todas as partes das quais é composto o homem, você não tem escolha senão mencionar todas as diferentes partes das quais é composto. Portanto, ao falar sobre as particularidades dos atributos com os quais foi criado o mundo, de acordo com sua teoria, seria impossível mencionar somente dois e deixar fora o terceiro. Mas, de acordo com o que expliquei, é correto e apropriado fazê-lo. É possível ter os dois atributos, quer dizer, o atributo da Justiça e aquele da Misericórdia, juntos sem trazer, por necessidade, esta terceira conjunção, contendo os outros dois por necessidade? Assim, algumas vezes Ele [Deus] mencionará a cada um pelo nome, como em “El, Yahweh, Elohim falou e chamou-a terra”, como expliquei, e algumas vezes Ele [Deus] enumerará dois atributos, o que implica, por necessidade, na conjunção do terceiro pelos outros dois, como está escrito, “No dia Yahweh, nosso Deus fez o céu e a terra”[55].

Solomon ibn Adret está dizendo que se os três nomes El, Elohim, e Yahweh representam a estrutura trinitária interna das dignidades que permitem que a criação ocorra, como Lúlio pretende, então todas as vezes que a Bíblia falar sobre Deus criando e um desses nomes aparecer, todos os três nomes deveriam estar lá. Se não aparecem os três nomes, então se destrói a teoria dos correlativos de Lúlio, porque está faltando um (ou dois) dos elementos dessa atividade eterna dentro das dignidades, permitindo que ocorra a criação. Para Lúlio, todas as três pessoas são essenciais, enquanto que, segundo Solomon ibn Adret, de acordo com nossa compreensão, esses nomes divinos referem-se a três diferentes sefirots, os quais são importantes para o ato da criação e, sendo o terceiro nome mencionado ou não, ainda é inferido que este deriva necessariamente dos outros dois. Portanto, os três nomes não implicam numa estrutura trinitária interna e eterna dentro do sefirot, mas referem-se a três dos dez sefirots que equilibram o ato da criação e, conseqüentemente, não há Trindade, mas uma unidade na Divindades[56]. Assim, fornecendo uma explicação alternativa plausível, ibn Adret esperava gerar dúvida suficiente acerca das afirmações cristãs para que elas não fossem aceitáveis nem chegassem a ser, com isso, a base para a conversão.

Quando (em Florença, em 1486) o famoso Conde de Mirandola vinculou a Arte luliana e a Cabala abulafiana, ele não estava totalmente errado. Pico fez a conexão entre os dois fenômenos pelas razões erradas, baseado-se mais em similaridades externas, tais como o uso de notação das letras e as figuras, que no conteúdo[57]. Porém, como vimos, havia de fato uma íntima ligação entre a Arte e a Cabala sefirótica. Nas suas tentativas de conversão dos judeus, Lúlio tratou de mostrar como a estrutura da Divindade e o sefirot devem necessitar de uma relação trinitária interna e, assim, demonstrar a verdade do Cristianismo. Em Paris, onde Lúlio tentou numerosas vezes fazer com que sua Arte fosse propagada e ensinada, os textos judaicos pós-bíblicos estavam sendo usados de uma maneira diferente e com propósitos inovadores: como um baluarte para a fé cristã. Havia pouco interesse nos ensinamentos judaicos contemporâneos e, portanto, nenhum conhecimento da Cabala e seu potencial para a conversão. Conseqüentemente, as torres de marfim da universidade falharam por não apreciar os trabalhos e o método do autodidata mediterrâneo e, pelo menos na área da conversão, o enfoque dos mendicantes, diferentemente da Arte de Lúlio, manteve o posicionamento da autoridade.



* “Porque não querem trocar sua fé por outra, mas seu crer por um entender”


[1] Vide E. Longpre, “Le B. Raymund Lulle et Raymond Marti O.P.”, Bolletti de la Societat Arqueologica Luliana 44, (1933) p. 270, reimpresso em Estudios Lulianos 13, (1969) p. 199. Vide também J. M. Abun-Nasr, A History of the Maghrib, (Cambridge 19752) pp. 140-43.

[2] Vide De acquisitione Terrae Sanctae, 3.1. pp. 127-27. “... Istum fratrum et suos socios ego vidi. Ulterius sciebat loqui hebraico iste frater et inter alios. cum quodam Judaeo, valde hebraico litterato et magistro, Barcinonae frequentius disputabat; qui Judaeus aliquoties mihi dixit quod, si in fide sua promittebat se intelligere quod credebat, ipse se faceret christianum”.
[3] Vide E. Longpre, “Le B. Raymund Lulle et Raymond Marti O.P.”, pp. 198-200, que identifica o frade como Raimundo Marti e sugere l268-69 como uma data possível; S.W.Baron, A Social and Religious History of the Jews, (Nova York e Filadelfia 1983/2) vol. 9, p. 281 e J. Cohen, “The Christian Adversary of Solomon ibn Adret”, Jewish Quarterly Review 71, (1980-81) pp. 51-5. Vide também A.Bonner, L., “Apologetica de Ramon Martí i Ramon Llull davant de l'Islam i del Judaisme”, El Debat intercultural als segles 13 i 14. Actes de les Jornades de Filosofia Catalana, Gerona 25-27 de abril de 1988 (Gerona 1989), pp. 179-80.
[4] Libre de convenientia fidei et intellectus in obiecto, in Raymundi Lulli Opera omnia, [citado como MOG] (editor) I. Salzinger, 8 volumes (Mainz 1721-42), vol. 4, XII, p. 2: ‘quia nolunt dimittere credere pro credere, sed credere pro intelligere’.
[5] Disputatio fidei et intellectus, MOG 4, VIII, pp. 2-7. Aqui Intelecto conta a história acima mencionada acerca do missionário (provavelmente Raimundo Marti) que consegue convencer um dirigente político muçulmano acerca dos erros do Islamismo, mas não é capaz de provar as verdades cristãs e assim ganha o ódio do líder político, que sente ter perdido tudo sem ter ganho nada'.
[6] Teshubot ha-Rashba (The Response of Solomon ibn Adret), (editor) C. Dimitrovski, 2 volumes, Jerusalem 1990), vol. 1, p. 215. É interessante notar que no seu Commentary on the Legends in the Talmud, (editor) L.A.Feldman, (Jerusalem 1991) p. 103, ibn Adret parece inferir a afirmação oposta, ‘Qualquer coisa recebida ou aceita via uma profecia não será contradita pela razão, porque a razão é inferior à profecia’, e na p. 105 diz que ‘a tradição recebida não deveria ser abandonada, ainda que o raciocínio filosófico prove que está errada’.
[7] C. H. Haskins, The Renaissance of the Twelfth Century, (Cambridge, Mass. 1927); R.L.Benson; G.Constable (editores), Renaissance and Renewal in the Twelfth Century, (Cambridge, Mass. 1979) e G.Constable, The Reformation of the Twelfth Century, (Cambridge 1996). Vide também I.G. Marcus, ‘The Dynamics of Jewish Renaissance and Renewal in the Twelfth Century’, em M.A. Signer e J. Van Engen (editores), Jews and Christians in Twelfth-Century Europe, (Notre Dame 2001) pp. 27-45.
[8] Para uma valiosa visão geral da filosofia judaica na Idade Média, vide C. Sirat, A History of Jewish Philosophy in the Middle Ages, (Cambridge 1985).
[9] Vide entre outros M.D. Chenu, Nature, Man and Society in the Twelfth Century: Essays on New Theological Perspectives in the Latin West, (Chicago 1968).
[10] Acerca da essência da cabala, vide G. Scholem, Major Trends in Jewish Mysticism, (Nova York 1961) e seu Origins of the Kabbalah (Princeton 1987). Vide também M. Idel, Kabbalah: New Perspectives (New Haven e Londres 1988) e E. Wolfson, Through a Speculum that Shines: Vision and Imagination in Medieval Jewish Mysticism, (Princeton 1995).
[11] Vide, por exemplo, Nahmanides, Commentary on the Torah, (editor) C.D. Chavel, (Jerusalem 1959-60) vol. 1, p. 9, ‘ ...[e este tema] não será conhecido na sua totalidade, senão na base da tradição recebida (Ha-kabbalah) indo até Moisés pela boca do Todo-Poderoso...’ ou ‘Não se pode conseguir o conhecimento da verdade total sobre estes temas e sobre outros como eles, senão da tradição recebida (kabbalah) ...e isto é receber de alguém que recebeu (mekabel mi-pi mekabel) remontando até bem antes de Moisés, indo até a boca do Todo-Poderoso’. Nahmanides, The Writings of Nahmanides, (editor) C.D. Chaves, (Jerusalem 1963-64) vol. 1, p. 190. Vide também p. 170 onde ele fala sobre os Rabinos do Talmud como possuindo ‘toda a tradição recebida’ (mekubalim ba-kol). Para Nahmanides, como para outros cabalistas no século décimo terceiro, o uso do termo ‘cabala’ não implica somente o significado que se lhe dá hoje, mas refere-se também, como se sugere aqui, à corrente tradicional de transmissão desde Moisés até os dias de hoje, e implica também o significado místico. Para alguns exemplos disso, vide E. Wolfson, `By Way of Truth: Aspects of Nahmanides' Kabbalistic Hermeneutic', AJS Review 14, (1989) p. 163.
[12] De Bernard de Clairvaux, que fez oposição com eruditos como Abelardo, indo até São Boa-Ventura e Pedro João Olivi, que opôs a filosofia radical como dividindo internamente a Igreja.
[13] Que os próprios cabalistas estavam cientes da inovação ficou claro na sua afirmação acerca de que os primeiros cabalistas como Abraão ben David e Isaac, o Cego receberam giluy Eliyahu, a aparição do Elias, que lhes revelou ensinamentos escondidos. A necessidade de justificar os ensinamentos em termos de revelação indica certamente uma percepção da potencial oposição a alguns desses ensinamentos. Vide meu ‘Elijah and a Shepherd: The Authority of Revelation’, Studia Lulliana 34, (1994) pp. 93-102.
[14] Sua análise encaixa-se bem com o que foi escrito por alguns sobre as mudanças significativas que estavam ocorrendo no século doze, o que fez insustentável para muitos a compreensão agostiniana da posição dos judeus na sociedade cristã. Vide R.I. Moore, The Formation of a Persecuting Society: Power and Deviance in Western Europe 950-1250, (Oxford e Cambridge, Mass. 1987); A. Funkenstein, ‘Changes in the Patterns of Christian Anti-Jewish Polemics in the 12th Century’ (hebraico), Zion 33-4 (1968-9), pp. 125-44, ‘Basic Types of Christian Anti-Jewish Polemics in the Later Middle Ages’, Viator 2, (1971) pp. 374-381 e seu ‘Changes in the Patterns of Anti-Jewish Polemics in the Twelfth Century’, em B. Lewis e F. Niewöhner (editores), Religiongespräche im Mittelalter, (Wiesbaden 1991) pp. 93-114; A. Sapir Abulafia, Christians and Jews in the Twelfth-Century Renaissance, Londres e Nova York 1995.
[15] Vide Cohen, Living Letters of the Law: Ideas of the Jews in Medieval Christianity, (Berkeley 1999) pp. 147-66 e seu ‘Scholarship and Intolerance in the Medieval Academy: The Study and Evaluation of Judaism in European Christendom’, American Historical Review 91, (1986) pp. 592-613.
[16] Para uma observação similar, vide G.G. Stroumsa, ‘Anti-Cathar Polemics and the Liber de Duobus Principiis’, em Lewis (editor), Religiongespräche im Mittelalter, pp. 176-77.
[17] Vide J. Cohen, The Friars and the Jews, (Ithaca and Londres 1982) pp. 51-76. Vide também R. Chazan, Daggers of Faith: Thirteenth-Century Christian Missionizing and Jewish Response, (Berkeley, Los Angeles, Londres 1989) e para alguns dos textos que descrevem os eventos em Paris, H. Maccoby, Judaism on Trial: Jewish-Christian Disputations in the Middle Ages, (Londres 1993) pp. 153-67.
[18] Vide S. Simonsohn, The Apostolic See and the Jews - Documents: 492-1404, (Toronto 1988) p. 184
[19] Acerca do Estatuto de 1243, vide Cortes de los Antiguos Reinos de Aragón y de Valencia y Principado de Cataluña, vol. 1, (Madri 1896) pp. 217-18. Sobre este tema vide J. Riera i Sans, ‘Les Llicències reials per a predicar a judeus i sarraïns (segles XIII-XIV)’, Calls 2, (1987) pp. 113-19. Vide J. Régné, History of the Jews in Aragon, p. 69, n°. 386 (25/10/1268). Vide também p. 131, n°. 723 (19/4/1279). Em 1263, o Rei já havia indicado que os judeus não tinham que ir além dos confins da convocação para ouvir a pregação. Vide J. Régné, History of the Jews in Aragon: Regesta and Documents 1213-1327, (editor) Y. Assis, (Jerusalem 1978), p. 42, n°. 217 (30/8/1263). Vide também J. Riera i Sans, ‘Les llicèncias reaials’, pp. 117-18. Pedro III legislou várias vezes sobre este tema, limitando o número de pessoas autorizadas a acompanhar os frades de catorze a dezoito e, eventualmente, a somente quatro. Vide Régné, History of the Jews, números 386 (25/10/1268), 735 (21/6/1279), 746 (8/10/1279).

[20] Vide O. Limor, The Disputation of Majorca 1286: A Critical Edition and Introduction, 2 volumes, (Ph.D. Dissertation, Hebrew University) Jerusalem 1984 [revisada e publicada como Die Disputationen zu Ceuta (1179) und Mallorca (1286): Zwei antijüdische Schriften aus dem mittelalterichen Genua, (Monumenta Germaniae Historica: Quellen zur Geistesgeschichte des Mittelalters, vol. 15) Munich 1994]

[21] Jacob ben Reuven, Milhamot ha-Shem (Wars of the Lord), (editor) Y. Rosenthal, (Jerusalem 1963) p. 8
[22] Nahmanides, The Writings of Nahmanides, vol. 1, p. 302-20 e uma tradução ao inglês em Maccoby, Judaism on Trial, p. 102-46
[23] Vide D. Berger, The Jewish-Christian Debate in the High Middle Ages: A Critical Edition of the Nizzahon Vetus, (Philadelphia 1979)
[24] Vide Dimitrovsky, Teshubot ha-Rashba, vol. 1, p. 159-221
[25] G. Scholem, ‘A New Document for the History of the Origins of the Kabbalah’ (hebraico), em J. Fichman (editor), Sefer Bialik, (Tel Aviv 1934) p. 146
[26] Vide Ve-zot li-Yehudah, em A. Jellined, Auswahl Kabbalistischer Mystik, (Leipzig 1853), p. 19
[27] Dimitrovsky, Teshubot ha-Rashba, vol. 1, pp. 381-83. Para uma discussão das limitações da indagação filosófica e da relação entre a revelação e a razão, vide ibn Adret, Commentary on the Legends of the Talmud, pp. 102-10
[28] Vide Dimitrovsky, Teshubot ha-Rashba, vol. 2, p. 412-13
[29] Vide The Writings of Nahmanides, vol. 1, pp. 306, 308. Vide Dimitrovsky, Teshubot ha-Rashba, vol. 1, p. 194 and Commentary on the Legends of the Talmud, p. 48. Sobre este tema, vide S. Lieberman, Shkiin: A Few Words on Some Jewish Legends, Customs and Literary Sources found in Karaite and Christian Works, (Jerusalem 1970/2) pp. 82-3; B. Septimus, ‘ “Open Rebuke and Concealed Love”: Nahmanides and the Andalusian Tradition’, em I. Twersky (editor), Rabbi Moses Nahmanides: Explorations in His Religious and Literary Virtuosity, (Cambridge, Mass. 1983) pp. 12-14, 17-22; M. Fox, ‘Nahmanides on the Status of Aggadot: Perspectives on the Disputation of Barcelona, 1263’, Journal of Jewish Studies 40, (1989) pp. 95-109; Wolfson, ‘By the Way of Truth’ pp. 153-78, entre outros.
[30] Vide ibn Adret, Commentary on the Legends of the Talmud, p. 27
[31] Vide E. Lourie, ‘Anatomy of Ambivalence: Muslims under the Crown of Aragon in the late Thirteenth Century’, em Crusade and Colonisation: Muslims, Christians and Jews in Medieval Aragon, (Variorum Reprints, Aldershot 1990) VII, pp. 1-77; Y. Baer, A History of the Jews in Christian Spain, vol. 1, (Filadelfia 1992/2) pp. 189-242 e D. Abulafia, A Mediterranean Emporium: The Catalan Kingdom of Majorca Cambridge 1994), pp. 75-99. Acerca da comunidade judaica em Majorca, vide A. Pons, Los Judíos del Reino de Mallorca durante los siglos XIII y XIV, 2 volumes (Palma 1984) e J.N. Hillgarth, ‘Sources for the History of the Jews of Majorca’, Traditio 50, (1995) páginas. 334-41
[32] O próprio Lúlio usou freqüentemente o adjetivo ‘novo’ para descrever o que estava fazendo. Por exemplo, sua Lògica Nova e outros trabalhos tais como Tractatus Novos de Astronomia e Rhetorica Nova. Vide a introdução de A. Bonner à Lògica Nova de Raimundo Lúlio (Palma 1998) pp. XXI-XXIII. Lúlio sabia que estava montando algo novo, o que pode ter sido a razão pela qual, a partir de 1295 e de uma maneira sutil na Vita Coeatanea (1311), ele afirme que a Arte era revelação divina. Vide A. Bonner, ‘Ramon Llull: Autor, Autoritat i Il×luminat’, In Actes de l’Onze Col×loqui Internacional de Llengua i Literatura Catalanes, Palma (Mallorca) 8-12 de setembre de 1997, (Barcelona 1998) pp. 46-7
[33] Lúlio ditou uma biografia muito seletiva um pouco antes de se preparar para ir ao Congresso de Viena em 1311. A Vitra Coeatanea foi traduzida para o inglês com extensas notas e informação adicional por A. Bonner, ‘Selected Works of Ramon Llull’, 2 volumes (Princeton 1985), vol. 1, pp. 3-52 [citado a seguir como SWRL]. Para um outro resumo da vida de Lúlio, vide J. N. Hillgarth, Ramon Llull and Lullism in Fourteenth Century France, Oxford 1971 [traduzido para o catalão com algumas adições, Ramon Llull i el naixement del lul-lisme, Barcelona 1998]
[34] Vide a Vita Coetanea, SWRL 1, pp. 22-23. A afirmação de Lúlio quanto à revelação divina é muito similar àquela dos cabalistas, que também difundiam idéias novas e revolucionárias, embora as apresentassem como tradicionais e antigas, simultaneamente nas comunidades do Sul da França e na Coroa de Aragão. Vide H. Hames ‘Elijah and a Shepherd: The Authority of Revelation’, Studia Lulliana 34, (1994) pp. 93-102 e The Art of Conversion: Christianity and Kabbalah in the Thirteenth Century, (Leiden 2000) pp. 31-82
[35] Vide A. Bonner, ‘L’Art lul×liana com a autoritat alternativa’, Studia Lulliana 33, (1993) pp. 15-32
[36] Pelo menos nos seus primeiros trabalhos, Lúlio teve a visão de um aspecto mais participativo quanto ao debate, porque à medida que as partes progredissem em prol da verdade (cristã), elas transcenderiam tanto o conhecimento sensitivo como o racional, e a verdade seria compreendida através da cognição mística. Vide H. Hames, ‘Conversion via Ecstatic Experience in Ramon Llull's Llibre del gentil e dels tres savis’, Viator 30, (1999) pp. 181-200
[37] No seu trabalho gigantesco, vide J.E. Rubio, Les bases del pensament de Ramon Llull, (Valencia e Barcelona 1997)
[38] A fase quaternária da Arte acontece ao redor de 1274-1289 e a fase ternária ao redor de 1290-1308. Vide A. Bonner, SWRL 1, p. 55-56.
[39] Vide A. Bonner, SWRL 1, p. 60
[40] Vide C. Lohr, ‘Metaphysics’, em C.B. Schmitt et al. (editores), The Cambridge History of Renaissance Philosophy (Cambridge 1988) p. 541
[41] Sobre a teoria dos correlativos, vide J. Gaya, La teoria Luliana de los correlativos; Historia de su formación conceptual, (Palma 1979)
[42] Essas tríades são encontradas tanto no Judaísmo como no Islamismo. Vide Maimonides, Guide for the Perplexed, (editor e tradutor) S. Pines, (Chicago 1963) I:68, pp. 163-66, onde a tríade (Sabedoria) maskil muskal haskalah é utilizada. Vide também W.C. Chittick, The Sufi Path of Knowledge: Ibn al-`Arabi's Metaphysics of Imagination, (Nova York 1989) p. 106. Vide C. Lohr, ‘Ramon Lull's Theory of Scientific Demonstration’, em K. Jacobi (editor) Argumentationstheorie: Scholastische Forschungen zu den logischen und semantischen Regeln korrekten Folgerns, (Leiden 1993) pp. 732-33 e ‘Christianus arabicus cuius nomen Raimundus Lullus’, Freiburger Zeitschrift für Philosophie und Theologie 31, (1984) pp. 84-86
[43] Traduzido por A. Bonner, SWRL 1, pp. 34-35
[44] Libre de Déu, Obras 2, p. 273, ‘Aquest libre es molt util a saber, e pot esser sabut en breu de temps... E encara ab eyl pot hom contrastar ab infaels, destruent a eyls les errors e objeccions que fan contra le fe catholica, als quals pot hom fer per aquest libre objeccions e probacions, les quals eyls per raho no poran destruir’.
[45] Libre de Déu, pp. 275-77. Esta prova é muita anselmiana quanto a seu caráter , já que Lúlio está olhando a partir do ‘ser, quanto a que não pode existir um Ser maior que esse Ser’. Vide São Anselmo, Proslogion, (tradução e introdução) J.J. Charlesworth, (Notre Dame e Londres 1979) capítulos 2-4, pp. 116-21.
[46] Libre de Déu, pp. 278-79, 'Sens aquests actes neguna dignitat no pot esser soberina, axi con bonea, qui sens bonificar hauria natura ociosa, la qual ociositat li seria mal, ab lo qual no poria esser sobirana…'.
[47] Libre de Déu, p. 289, 'Deus es aquella substancia qui es natural bonea, granea, eternitat, poder, saviesa, volentat, virtut, veritat, gloria e compliment'.
[48] Libre de Déu, p. 294, ‘Deus enten que sa unitat es complida, e no poria entendre que sa unitat fos complida sens natura de unient, unit e unir, sens los quals sa natura no hauria poder natural, ni natural concordança, ni egualitat, virtut, gloria e bontat. Ha, donchs, la divina unitat, qui es compleda natura de unient, unit, e unir, per la qual u es de u, axi con lum de lum, ço es a saber, que l unit es del unient, e l unir es d amdos. E l unir per via de generacio es lo pare e l fill, e es lo pare e l fill, car en aquell engenrar e unir es lo fill del pare, engenrant lo pare lo fill de si mateix e no de altre; e cascuna singular proprietat personal e ensemps son una proprietat communa, d on ix singular proprietat personal, appeylada passiva espiracio per unir e espirar; lo qual unir e espirar son lo pare e lo fill per communa espiracio. E enaxi lo espirar e l unir, segons communa proprietat, es un, e segons singular proprietat es altre’.
[49] Libre de Déu, p. 302, ‘Deus es substancia sens negun accident. E car quantitat es accident, Deus no pot esser quant per quantitat. E encara, car Deu es substancia infinida e eternal, quantitat en eyla no ha loch, ni segons extensitat ni vertut, ni segons temps. E car en Deu no cau quantitat, Deu pare, sens quantitat, produu e engenra Deu fill eternalment e infinida; e l pare e l fill, sens quantitat, espiren lo sanct espirit per infinir e eternar’.
[50] Libre de Déu, p. 323, ‘Deus ha manera e orde en crear lo mon ab la manera e orde de ses dignitats, qui requeren obra e orde en les creatures;... E car la obra e orde de Deu es gran e bo, ha creades creatures bones e grans, qui son bones e grans per natura. On con ayço sia enaxi, es, donchs, Deus per aytal fi creador e ordonat a crear lo mon per orde e manera de ses dignitats e de lurs actes’.
[51] Dimitrovski, Teshubot ha-Rashba, volume 1, p. 214. Este Midrash é mencionado também no Pugio Fidei, porém, mais uma vez não existe correlação entre a discussão de Marti e a resposta dada por Adret, sugerindo que Marti não estava ciente da linha mais mística adotada por Adret na sua resposta lá. Marti utiliza no seu valor expresso as proprietates da sapientia scientia atque intelligentia como representando a Trindade. Vide Pugio fidei adversus Mauros et Judaeos, [Leipzig 1687 (edição facsímil Farnborough 1967)], p. 494
[52] Este é um termo lingüístico comum usado para apresentar a idéia cabalística. Esta terminologia não é utilizada nos outros capítulos deste tratado.
[53] Talvez, mais uma vez neste caso, ibn Adret esteja brincando com a terminologia luliana comparando DHM (a vontade que ama ou odeia) da alma na Figura S. Vide Ars Demonstrativa, SWRL 1, p. 324. A escolha do bem ao invés do mal é o tema que se repete nos sermões de Lúlio no Llibre de virtuts e de pecats, (editor) F. Domínguez Reboiras, NEORL 1, (Palma 1990) sendo uma parte integral da estrutura do Livro do Gentos e dos Três Sábios.
[54] Dimitrovski, Teshubot ha-Rashba, volume 1, p. 218. Vide também Commentary on the Legends in the Talmud, p. 50, em que ibn Adret traz de novo este ensinamento começando com: ‘e há nisto um segredo...’, quer dizer, está revelando a Cabala. Aqui, porém, a terminologia é diferente. Ibn Adret não fala sobre o terceiro atributo como sendo a conjunção dos outros dois, mas como ‘incluindo’ os outros dois. Isto indicaria a importância da terminologia na resposta ao erudito cristão, o que fundamenta ainda mais a suposição de que seja Lúlio, já que ibn Adret está usando a terminologia anterior. Vide também o Libre d'amic e amat, (tradução) E. Bonner, Book of the Lover and the Beloved, em A. Bonner, Doctor Illuminatus, (Princeton 1993) versículo 42, p. 194, ‘as chaves das portas de entrada ao amor estão associadas a carinhos, suspiros e lágrimas...e as portas de entrada são vigiadas pela justiça e a misericórdia’.
[55] Ms. Oxford Bodl. 1587, folhas 93b-94a.
[56] Compare isso com a forma como Solomon ibn Adret trata o mesmo tema dos nomes divinos no seu Commentary on the Legends in the Talmud, um trabalho direcionado para uso próprio. ‘e neste tema há um segredo [quer dizer, um ensinamento cabalístico]; e você já conhece o que receberam nossos Rabinos, quanto a que em todos os lugares donde diz Elohim, refere-se ao atributo do Julgamento e Yud Vav Heh ao atributo da Misericórdia e eles contêm tudo, porque é impossível que exista este mundo sem esses dois atributos, porém, não só com o Julgamento ou só com a Misericórdia. E, conseqüentemente, esses dois nomes não foram mencionados na Torá em relação à criação do mundo, até que o céu e a terra e tudo o que eles contêm fosse criado, porque diz: “No dia Yahweh, nosso Deus fez o céu e a terra”, e nossos Rabinos explicaram que Ele disse o nome completo quando o mundo estava completado. E para aqueles a quem o Senhor concedeu conhecimento, compreenderão e tratarão intelectualmente a verdade do que está no potencial do intelecto humano para atingir o conhecimento sobre a Sua essência e atributos'. Vide Commentary on the Legends in the Talmud, p. 50.

[57] Pico della Mirandola, Apologia in Opera omnia, volume 1, (Bâle 1572) p. 180. ‘Unam quae dicitur hohmat ha-zeruf id est ars combinandi et est modus quidam procedendi in scientiis et est simile quid sicut apud nostros dicitur ars Raymundi, licet forte diverso modo procendant (o que é chamado hohmat ha-zeruf (revolução ou combinação de letras) é uma Arte combinatória e é um método para ganhar conhecimento, sendo similar ao que nos referimos como a Ars Raymundi, embora proceda de uma maneira muito diferente)’ .

 
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