A demonstração por equiparação


Na terceira divisão da sétima parte da sua Ars Generalis Ultima1, Lúlio2 refere-se a três modos diversos de demonstrar: a demonstração pela causa própria ("propter quid"), a demonstração por equiparação ("per aequiparantiae") e a demonstração pelo efeito ("quia"). A primeira e a última correspondem às demonstrações clássicas de Aristóteles; já a do meio, a demonstração por equiparação, é típica da Arte luliana.

Nesta breve Comunicação, apresentaremos a motivação e os fundamentos da demonstração por equiparação3 com o intuito de dar a conhecer, embora de um modo sucinto, os fundamentos da complexa metafísica do filósofo catalão.

Motivação ou Propósito.

A demonstração por equiparação deve ser estudada no contexto mais amplo de toda a filosofia luliana que, como é sabido, tem um fim altamente apologético. Lúlio trabalhou sempre no terreno da inteligência da fé: seu objetivo era a conversão do mundo islâmico e judeu, através do diálogo racional. Precisava, para tanto, partir de verdades comuns às três grandes religiões e, fundamentando-se nelas, mostrar a racionalidade dos mistérios cristãos.

O que fez Lúlio? Assimilou o modo árabe de pensar e, apoiado firmemente nele, desenvolveu a sua famosa Arte, uma nova lógica baseada na analogia dos entes, que não visava apenas a ordenação do saber humano, mas oferecia também uma teoria completa a respeito da estrutura do ente concreto. Desenvolveu, ao mesmo tempo, dois novos métodos comprobatórios: a demonstração per aequiparantiam4, que analisaremos neste trabalho, e a demonstração per hypothesim, em que as convicções religiosas são tratadas como hipóteses5.

No prólogo do Liber de demonstratione per aequiparantiam Lúlio diz claramente que pretende provar a distinção das pessoas divinas mediante a demonstração por equiparação, pois tal demonstração não pode ser realizada pela causa própria ("propter quid"), por não possuir Deus nada acima de si mesmo; nem convém deduzir a causa dessa distinção pelo seu efeito ("quia"), por não ser esse caminho um dos mais perfeitos.6

Vejamos por quê.

As demonstrações aristotélicas.

As demonstrações aristotélicas - mesmo a mais perfeita delas - apesar de serem legítimas e verdadeiras, têm um alcance limitado, como se verá a seguir.

Recordemos antes, porém, que o fim da demonstração é o saber científico, que consiste em conhecer a causa de algum efeito; não apenas enquanto causa, mas enquanto causa atual daquele efeito. O saber científico conhece também o efeito em si mesmo; não basta conhecê-lo apenas como efeito daquela causa. Por isso se diz que a ciência conhece com certeza. O silogismo, para ser demonstrativo, apodíctico, deve produzir saber certo, isto é, ciência.

Pois bem. Do ponto de vista metafísico, a demonstração mais perfeita de Aristóteles ("propter quid"), diz-nos que alguma coisa (o efeito) inere em outra, e nos dá a causa dessa inerência. Fornece, pois, dois conhecimentos: o da causa da explicação e o da causa real do efeito. Por isso é a demonstração mais perfeita.

Essa demonstração, porém, requer que se proceda sempre por qualquer uma das causas, sejam elas a material, a formal, a eficiente ou a final, ou por todas elas; mas essas causas devem ser sempre imediatas e não remotas, próprias e não comuns, únicas e não parciais ou inadequadas.

Do ponto de vista lógico, essa demonstração se realiza mediante um raciocínio7 que, como todos eles, consta de um antecedente e um conseqüente.

O antecedente é formado por duas premissas conhecidas - a maior e a menor - que têm a função de comparar dois termos - o sujeito e o predicado da conclusão -, chamados extremos, com um terceiro, o termo médio. As premissas, que devem expressar verdades necessárias, per se e próprias de cada ciência8, são verdadeiras causas da conclusão.

O conseqüente, ou conclusão, é uma proposição que exprime a verdade que, antes do raciocínio, nos era desconhecida: a conveniência ou desconveniência do predicado com o sujeito, obtida na comparação com o termo médio.

O elemento principal é, pois, o termo médio. Na demonstração mais perfeita, o termo médio deve expressar a própria definição do sujeito da conclusão, e também a causa do predicado.9 Portanto, para procedermos mediante essa demonstração, torna-se totalmente necessário conhecermos a essência do sujeito da conclusão, embora não seja preciso conhecermos a essência do predicado da conclusão.

Ora, é evidente que quando se trata de demonstrações sobre Deus, não conhecemos de modo algum a definição do sujeito da conclusão, Deus, pois dada a transcendência e infinidade do mesmo torna-se-nos impossível conhecer-Lhe a essência.

Já a demonstração pelo efeito ("quia"), nos dá a inerência de algo em um sujeito, mas ignora a causa pela qual esse algo se encontra no sujeito onde inere.

Procede por sinais ou efeitos, ou por causas remotas, comuns e inadequadas, quando são mais conhecidas que as causas imediatas, únicas ou adequadas. Partimos de um efeito e chegamos à sua causa.

Do ponto de vista lógico, a demonstração se perfaz também mediante um silogismo, por exemplo: "Tudo o que envelhece morre; ora, o corpo envelhece; logo o corpo morre". O efeito é: "o corpo envelhece"; a causa: "o corpo morre"10.

A comparação dos dois extremos se faz, como sempre, com o termo médio "o que envelhece". Ocorre que nessa demonstração procedemos por um termo médio que não é nem a essência do sujeito da conclusão, nem a causa própria do predicado da conclusão, mas apenas uma causa comum. A causa própria da morte não é envelhecer, mas o fato de o homem estar composto de elementos contrários.

Observe-se bem, no entanto, que nessa demonstração não é necessário conhecermos a essência do sujeito da conclusão "corpo", nem a essência do predicado "morrer". Embora seja verdadeira demonstração - pois fornece a evidência da conexão necessária entre o efeito e sua causa, ou entre a causa remota e seu efeito -, o termo médio indica apenas a causa do conhecer, e não a causa do ser. Além do mais, como não procede por causas próprias, o saber que obtemos com ela é imperfeito.

Por esses motivos, Lúlio desenvolveu uma nova prova, fortemente alicerçada na sua metafísica.

Fundamentos metafísicos da demonstração por equiparação.

Lúlio é realista e, como tal, atenta para os fatos, os lugares, as determinações temporais; observa e encara o mundo concreto que tem à sua volta; ele o admite e não o questiona. Ao longo de quase quarenta anos estudando a multidão análoga dos entes abstratos e concretos - o Ente infinito, que chama de Primeiro Ente, e os entes finitos ou segundos entes; os entes substanciais e os acidentais; e os entes de razão -, Lúlio, mediante um extraordinário esforço de generalização e de sistematização, ascende dos entes finitos e materiais ao Ente Supremo espiritual, chegando a cinco conclusões.

1) A estrutura dos entes é tridimensional: potência, objeto e ato.

Ente, para Lúlio, é um estar sendo. Enfatiza-se aqui o atuar. Todo ente é, por um lado, potência, capacidade, finita ou infinita, de atuar ou operar. No ente finito, a potência equivale à finitude, ao não ser, é deficit de ente. Ao mesmo tempo, todo ente atualiza essa sua capacidade de atuar, sendo aquilo que é. Aparece, então, o segundo elemento, o objeto, termo ad quem da potência. A tensão criada por essa bipolaridade de termos resolve-se pelo ato, terceiro elemento do ente, que unindo nele a potência de ser com seu objeto, constitui o ente real. Platzeck já dizia: Não há ente real sem operar, e não há operação verdadeira sem ente real11.

Finalmente, a entidade é a propriedade do ente, pela qual o ente é ente e produz e opera o ente.12

Esta tridimensionalidade estrutural está presente, repetimos, em todos os entes, tanto abstratos como concretos. No ente absoluto, cujo ato é infinito, a potência se identifica com o objeto e com o ato.

2) Cada ente consiste numa determinada mixtio de uns princípios universalíssimos, absolutamente primeiros13, que quando considerados em Deus correspondem precisamente às Dignidades14 ou atributos divinos15.

Esses princípios são os seguintes: (1) Bondade, (2) Grandeza, (3) Eternidade ou Duração, (4) Poder, (5) Sabedoria ou Entendimento, (6) Vontade, (7) Virtude, (8) Verdade, (9) Glória; e mais uns princípios relativos, também generalíssimos: (10) Diferença, (11) Concordância, (12) Contrariedade, (13) Princípio, (14) Médio, (15) Fim, (16) Maioridade, (17) Igualdade e (18) Menoridade.

Usando a analogia16, Lúlio dirá que em Deus cada uma das Dignidades é infinita, convertível com as outras e com a essência divina; ao passo que nas criaturas, as Dignidades são sempre finitas.17

O modo como é feita a mixtio nas criaturas define e essência ou espécie delas. A essência, que Lúlio identifica com a entidade, é aquilo pelo qual o ente é um ser específico18. Pela essência, advém ao ente o ato de ser, tornando-o real desde dentro, a partir da mixtio dos princípios. A essência, portanto, define a substância, determinando esta a um modo particular de ser.

Com outras palavras, os princípios constituem as partes substanciais, entendendo por substância o ente que existe por si mesmo19, dando a essência a última consistência ou determinação à substância.

Seguindo Boécio20, o mestre catalão dirá que tudo quanto é possível de se expressar em conceitos se encontra ao nível da essência. Em palavras suas: "o ente concreto sustenta o abstrato, que é a essência da coisa"21.

Além do mais, as Dignidades não são ociosas; isto é, sempre atuam e produzem. Elas são as que fazem com que cada natureza tenda ao seu fim; as potências ao seu objeto, etc.

3) A tridimensionalidade do ente radica na estrutura ternária dos princípios generalíssimos.

Lúlio esclarece que cada princípio será o que é, e conservará a sua definição, apenas se estiver estruturado também em "potência, objeto e ato", seus correlativos intrínsecos, primitivos, verdadeiros e necessários. Por exemplo, a Bondade - definida como o ente em razão do qual o bom opera o bem - não poderia ser tal, isto é, não poderia operar o bem, se em si mesma não existisse o bonificável, o bonificativo e o bonificar.

Lúlio desenvolverá todo um sistema morfológico, baseado em sufixos, para caracterizar esses correlativos. Expressará a potência, o ponto de partida, a origem, mediante o sufixo característico do particípio presente latino do verbo correspondente: -tivo, -ante, (-tivus, -ans, em latim); o objeto, o resultado, mediante o sufixo característico do particípio passado latino: -ável ou -ado, (-bilis, -tus, em latim); o ato virá expresso mediante o infinitivo verbal22.

Em cada princípio, quer seja finito ou infinito, existirão necessariamente os três correlativos, distintos em número e nome, sem espécie alguma de confusão23.

No caso concreto, por exemplo, da alma humana24, una por essência, Lúlio diz-nos que está constituída pelos princípios espirituais de bondade, grandeza, duração, poder, etc. e seus correlativos. Os correlativos da bondade da alma são o bonificativo, o bonificável e o bonificar; os da grandeza, o magnificativo, o magnificável e o magnificar, e assim em diante. O aspecto formal da alma vem dado pelos correlativos que indicam a capacidade de atuar: bonificativo, magnificativo, etc. O seu aspecto material25 pelos correlativos que significam o objeto desse atuar: o bonificável, o magnificável, etc. Mas a natureza da alma apenas completa-se com os correlativos que revelam o ato de cada princípio: o bonificar, o magnificar, o durar...26 Mais uma vez, enfatiza-se o atuar.

4) Uma vez constituído o ente como um modo de ser substancial, a substância fica ainda aberta a uma definição posterior mais precisa: abre-se às diversas formas acidentais.

Os acidentes são entes que não existem por si, nem em si; mas, por serem entes, têm também uma estrutura tridimensional e estão, por sua vez, cada um deles, constituídos por uma mixtio dos princípios generalíssimos.

Se os acidentes forem reais na substância, serão potência relacionada mediante o ato com seu objeto. É interessante observar que é pelo ato de ser da substância que as potências tendem ao seu objeto; em outras palavras, a tendência que cada natureza tem para o seu fim constitui as próprias potências.

Assim, continuando com o exemplo da alma humana, Lúlio dirá que como ela tem por finalidade entender, amar e lembrar Deus, a alma humana possui três potências: o entendimento, a vontade e a memória, cada uma delas constituída também pelos princípios universalíssimos e seus correlativos.

5) Finalmente, as Dignidades, além de serem princípios ontológicos, são também princípios de conhecimento dos entes, pois estes, ao estarem constituídos pelos mesmos princípios ou perfeições de Deus, embora de um modo finito, não são senão reflexos do Divino Ser27.

As Dignidades - também chamadas por vezes de Imperatrizes, "Reginae", "Honraments", "Principia", "Virtutes" - adquirem, assim, uma eficácia cognoscitiva e tornam-se os supremos princípios do conhecer, quando considerados em Deus28.

Ao que parece, Lúlio não fez senão avançar pela via, reconhecida legítima pelo Aquinate, do conhecimento da verdade nas razões eternas. Comentando o livro XII, Cap. XXV das Confissões de S. Agostinho29, S. Tomás conclui que, como a verdade imutável está contida nas razões eternas, a alma intelectiva conhece nelas ou por elas todas as coisas verdadeiras.

Ora, conhecer tudo nas razões divinas é um conhecimento exclusivo e próprio dos bem-aventurados, que vêm todas as coisas, e ao próprio Deus, na luz do Verbo. Nesta vida, porém, explica S. Tomás, o homem não pode ver os entes nas razões eternas, mas apenas por elas; isto é, como princípio de cognição, por participação nessas razões. A luz intelectual - o intelecto agente - que existe em nós e que nos permite conhecer as realidades que estão fora da alma, não é outra coisa senão uma semelhança criada que participa da luz incriada, na qual estão contidas as razões eternas30.

Dissemos que Lúlio avançou por este caminho porque, sabedor de que na luz do entendimento agente se encontra uma participação das razões eternas, e que não pode haver luz sem conteúdo, leva sempre em conta este conteúdo na hora da formação das espécies inteligíveis necessárias para à intelecção.

No entanto, com relação ao modo como se geram as idéias humanas, deve reconhecer-se que Lúlio não é platônico, pois o platonismo afirma que basta a participação nas idéias - no caso, nas razões divinas -, para efetuar a operação da intelecção e, portanto, para a aquisição da ciência, não carecendo de espécie inteligível. Lúlio, pelo contrário, de modo algum concebe a intelecção sem espécie inteligível, obra do entendimento agente: "O entendimento tem em si seus correlativos inatos naturais, a saber: o intelectivo, o inteligível e o entender, e com eles é naturalmente agente e paciente. Com o intelectivo é agente, e com o inteligível é paciente, pois a inteligibilidade intrínseca é a sua paixão própria. O entender intrínseco, todavia, é constituído por ambos. O mesmo entendimento agente abstrai as espécies dos objetos exteriores e os repõe na sua própria paixão, na qual se tornam inteligíveis. Deste modo adquire um inteligível e um entender peregrinos, com os quais naturalmente entende e faz ciência e arte".31

Mas por outro lado, no entender de Lúlio, nenhum conceito alcançará sua clara definição enquanto não se souber com precisão em que grau se realiza a mixtio dos princípios generalíssimos ou Dignidades - que corresponde precisamente ao grau de ser da coisa objeto de conceito. A luz do entendimento agente permite sabê-lo. Deduz-se, portanto, que nenhuma essência estará logicamente bem definida sem essa comparação ou referência aos Princípios universalíssimos em seu estado de maior perfeição. Daí que as definições lulianas encerrem sempre uma referência ao Absoluto32.

Essa necessidade de ancorar o conhecimento de todas as coisas nas Dignidades é, segundo Platzeck, uma herança platônica. No platonismo, o pleno conhecimento de um conceito específico exige não apenas a sua redução ao Primeiro Princípio, mas também uma adequada localização do mesmo no mundo das idéias.

Portanto, a doutrina da formação das idéias no lulismo combina harmonicamente aristotelismo e platonismo. Aristotelismo, pois no entender de Lúlio o conhecimento humano, por um lado, parte sempre da realidade sensível e, por outro, admite a abstração do entendimento agente; e platonismo, na medida em que no processo de formação das espécies inteligíveis leva sempre em consideração o conteúdo das razões eternas.

Resumindo, diremos que a metafísica luliana engloba as clássicas composições aristotélico-tomistas do ente: essência e ato de ser, e matéria e forma; todavia, dado que o ente se capta sempre necessariamente no e pelo pensamento, as completa com as conseqüentes exigências lógicas33.

A demonstração por equiparação.

Chegou a hora de voltarmos à famosa demonstração luliana.

No prólogo do pequeno mas substancial livro dedicado à demonstração por equiparação, Lúlio esclarece que nela procede-se mediante as Dignidades, princípios primeiros, verdadeiros, imediatos e necessários, usados, todavia, sempre de acordo com o modo próprio de cada ciência. Um pouco mais adiante, nesse mesmo prólogo, informa-nos que os princípios utilizados serão os da Concordância, Diferença e Igualdade, constituindo, o bom uso dos mesmos, uma autêntica arte.34

Se temos entendido bem o pensamento do maiorquino, parece-nos que a demonstração por equiparação nada mais é do que um procedimento lógico para concluir argumentos de conveniência sobre a realidade finita, fundamentado basicamente na analogia do ser. Como é sabido, duas coisas são análogas quando estão entre si como uma terceira está para outra quarta. Podemos servir legitimamente essa unidade analógica para progredir no conhecimento; bastará usar na demonstração um termo médio análogo.35

Em primeiro lugar, e como procedimento prévio ao que constituirá o núcleo principal da demonstração por equiparação, Lúlio começa provando a existência de uma bondade infinita real, e de uma grandeza, poder, entendimento, e assim por diante, sumos. Logo após, identifica todos esses atributos no mesmo Ente perfeitíssimo ou Ser Supremo, Deus.

Vejamos as suas próprias palavras: "Há bondade real finita; portanto, alguma bondade deverá ser por si própria; e tal bondade estará no grau superlativo, por não haver outra, que seja de seu gênero, acima dela, e também porque perfaz todas as outras bondades que não podem ser por si. Se, porém, tal bondade infinita não existir, sua oposta é; e todas as outras bondades imperfeitas também, o que é impossível. Portanto, a suma bondade é real, e a causa disso é o mesmo ente ótimo, que produz o ótimo. Sem o ente ótimo, a bondade não seria suma, nem permaneceria no grau superlativo"36.

Reparemos que nessa demonstração Lúlio se levanta diretamente, e mediante um único passo, da realidade da bondade imperfeita, "a bondade que não pode ser por si", para a realidade ou existência da bondade perfeita, a bondade subsistente. Assim fará com as outras perfeições. Tomará sempre como ponto de partida entes finitos, considerados sempre apenas sob um aspecto particular qualquer (por exemplo,a sua forma particular, entendimento, bondade, grandeza, quantidade, etc.),nunca enquanto entes, e deles remontar-se-á ao ser infinito.

Esse primeiro salto do finito ao infinito tem sido interpretado por vezes como sendo uma saída da ordem real e uma entrada na ordem ideal. Na nossa opinião, essa objeção não é válida porque, se assim fosse, o argumento apenas concluiria pela necessidade de conhecermos com anterioridade a medida com a qual medimos o imperfeito, não a existência dessa medida; e bastaria que esse conhecimento fosse hipotético. Com efeito, a objeção deveria ser entendida da seguinte maneira: somente é possível o conhecimento de uma bondade real imperfeita pelo conhecimento anterior de uma bondade perfeita, dado que para medir qualquer coisa é preciso sempre o conhecimento prévio da medida. Ora, obviamente o argumento mostra apenas a existência de um certo conhecimento, não a existência de uma realidade; e como as idéias humanas não medem a realidade, de modo algum se conclui por esse caminho a existência da bondade infinita. Além do mais, essa fuga para a ordem ideal não teria retorno.

Contudo, assim o entenderam Longpré e todos os que pensaram que Lúlio, neste ponto, nada mais faz do que aplicar o famoso axioma de S. Agostinho a respeito da atividade divina ad extra: "Deves saber que Deus, como Criador de todos os bens, fez tudo aquilo que por uma verdadeira idéia inteligível se apresenta ao teu espírito como melhor"37. Não nos parece, porém, possível essa interpretação, centrada unicamente no iluminismo agostiniano. Com efeito, Agostinho acha impossível não existir o que pensamos por verdadeiras idéias inteligíveis, porque concebe a alma humana ligada por natureza às idéias divinas, das quais depende.

Lúlio, pelo contrário, desenvolve sua argumentação sem sair da ordem real. Apenas segue, neste primeiro momento, o caminho neoplatônico de Avicena, que conduz diretamente da perfeição limitada à sua causa, e que se baseia no seguinte princípio: toda perfeição essencial ou propriedade que se encontre em menoridade ou de um modo deficiente, isto é, realizada não segundo toda a amplidão de que é capaz, é necessariamente causada ab extrínseco.38

O mestre catalão ainda esclarece que é o ente quem nos permite efetuar o salto da bondade imperfeita para a perfeita: "a causa da existência da suma bondade é o ente ótimo que produz o ótimo". O nervo dessa demonstração, portanto, traz claramente no seu bojo a causalidade eficiente das Dignidades, anterior em natureza à causalidade exemplar.

Da mesma maneira provará uma suma grandeza, um sumo poder, um entendimento infinito39, etc. Uma vez feito isso, não resta senão identificar esses atributos em Deus, pois, como é sabido, já desde Platão, o sujeito que possui uma perfeição pura em máximo grau necessariamente deve ser único. Lúlio, em seus fervores apologéticos, não insistirá muito nesse tema, pois sabia que os fiéis das três grandes religiões já o davam por suposto. "Christiani, Iudaei et Saraceni ad se invicem conveniunt, quod Deus est summe bonus, summe magnus, summe potens, summe intelligens, summe amans; et sic de aliis Dei rationibus ipsi dicunt."40

A partir desse ponto, Lúlio, usando dos princípios da Concordância, Diferença e Igualdade, comparará as Dignidades entre si deduzindo diversas afirmações. Provará também uma segunda identidade, que é a identidade entre os correlativos das Dignidades nesse ente perfeitíssimo, e a partir dela extrairá inúmeras conseqüências. A Bondade, dirá, é igual ao Bonificável e ao Bonificar, e por outro lado, a Bondade, o Bonificável e o Bonificar, também são iguais ao Poder, à Grandeza, à Eternidade, etc. Todas estas combinações são iguais umas às outras: a Glória Perfeita é igual à Virtude Verdadeira; a Bondade Sábia é igual à Vontade e a Verdade perfeitíssimas, etc.41

Pois bem. Entramos agora no núcleo central da demonstração por equiparação. Admitido o conhecimento analógico para alcançarmos Deus, nada impede que nos sirvamos também dele para descer até às criaturas. Lúlio, com a sua Arte, que é fundamentalmente uma lógica comparativa, e sempre à luz da identidade das Dignidades divinas, avançará muitíssimo na compreensão dos entes finitos.

Parte também, claro está, do suposto da criação divina do mundo; livre, mas à semelhança de suas Dignidades. Lembremos mais uma vez as suas palavras: "a bondade máxima (e também os outros princípios universalíssimos ) perfaz todas as outras bondades que não podem ser por si". A demonstração por equiparação poderá ser utilizada igualmente ao nível da realidade criada, semelhança da divina. Se admitirmos, por exemplo, que no conhecimento divino dá-se uma total identidade entre o Conhecedor e o Conhecido, por serem idênticos o Ato divino infinito de entender e o Entendimento infinito, por que não concluir analogicamente, ou por semelhança, como diria Lúlio, que no conhecimento humano existirá dualidade entre o sujeito cognoscente e o objeto conhecido, precisamente por não serem idênticos o ato humano de entender e o entendimento humano?

Encontraremos sempre nas argumentações lulianas uma unidade de proporcionalidade, ou analogia. Um está para dois, como quatro está para oito. Nesse exemplo, a relação entre as duas proporções é uma identidade; contudo, a analogia não exige sempre a identidade, mas apenas uma semelhança qualquer entre proporções. Ao longo da extensa obra do maiorquino, encontram-se muitos exemplos dessa aplicação. Da conveniência, por exemplo, entre os correlativos da inteligência, deduz que não supõe contradição alguma existir em cada pessoa uma inteligência que seja agente e possível; com o que resolve a famosa questão contra os averroístas, que não admitiam um entendimento agente individual. Acompanhemos sua argumentação:

"Não é inconveniente que no intelecto humano haja, e dele sejam, o intelectivo, o inteligível e o entender, nos quais o mesmo intelecto é sustentado, assim como a essência em seus concretos. Chamamos ao intelectivo de intelecto agente e ao inteligível de intelecto possível. A partir destes se dá o entender intrínseco ou coessencial a eles.

E é necessário que isto seja verdade para que o homem com suas partes entenda em si mesmo atraindo e imprimindo pelo seu intelectivo (entendimento agente) no seu próprio inteligível (entendimento possível) a espécie fantástica adquirida pelo sensitivo e imaginativo. Esta (a espécie fantástica) torna-se espécie inteligível ao ser impressa e posta no inteligível próximo, no qual recebe de novo a possibilidade de ser entendida."42

E, de modo semelhante também - isto é, em parte igual, mas em parte diferente -, se no conhecimento divino, pela identidade entre o Conhecedor e o Conhecido, tudo o que se conhece é visto na própria essência do Conhecedor, no conhecimento humano, dada a ausência de identidade, exigir-se-á a presença de um intermediário, a espécie inteligível: "De onde se segue que o intelectivo entende pela mencionada espécie adquirida, sem a qual não poderia entender as coisas corporais, nem os seus acidentes, porque sem intermediário, não poderia refletir sobre seu inteligível próprio, nem agir de seu entender próprio."43

Como se vê, trata-se sempre de argumentações fundamentadas na analogia dos entes44 e, como tais, com suas limitações próprias. Se, por um lado, não se pode negar o valor do conhecimento analógico, já legitimado por Aristóteles nos Segundos Analíticos45, não se deve ver nas argumentações lulianas nem deduções positivas sobre Deus a partir de verdades naturais, nem conhecimentos completos sobre as criaturas, mas apenas legítimas conclusões de conveniência do limitado conhecer humano sobre a natureza divina46 e verdades parciais sobre a realidade criada. Todavia, é preciso reconhecer que Lúlio explora ao máximo o recurso da analogia, chegando com extrema facilidade a resultados surpreendentes.

Não nos deve estranhar. O próprio Aristóteles ao expor a divisão lógica da unidade reconheceu que a unidade analógica é a mais geral e compreensiva das unidades. "Algumas coisas são unas em número, outras em espécie, outras em gênero e outras ainda por analogia", e esclarece que os últimos modos de unidade são sempre encontrados onde existem os primeiros (semper itaque posteriora praecendentia sequuntur), assim, "as coisas que são uma em número também o são em espécie, (...) as coisas que são uma em espécie, também o são em gênero; (...) mas todas são uma por analogia."47 Contudo, não resta dúvida que, de fato, a unidade da analogia, até Lúlio, foi pouco explorada como recurso legítimo no processo de conhecimento.

Precisamente por isso, por ser a unidade analógica a mais compreensiva e geral das unidades, não pareceu infundada a Platzeck a pretensão de Lúlio em afirmar que sua Arte absorve a lógica do Corpus Aristotelicus por ser mais geral48.

O conhecimento analógico, finalmente, possui também certeza. Contudo, essa certeza terá diversos graus, conforme sejam os graus de perfeição que encontremos na escala dos seres, até chegarmos a Deus, o grau superlativo, ou plenitude de ser. As verdades demonstradas terão maior ou menor certeza em função dos graus de realidade dos seres demonstrados. Se a demonstração por equiparação alcança seu maior grau de certeza quando se utiliza no pertinente à divindade, não se lhe deve negar certeza, embora seja uma certeza menor, quando se aplica ao mundo finito.

Terminaremos esta breve Comunicação mostrando o quanto o Doutor Iluminado confiava no seu novo método de demonstração. No livro De novo modo demonstrandi nos afirma: "Novus modus autem demonstrandi est verior, fortior et clarior quam modus demonstrandi secundum dialecticum syllogismum. Ratio huius est quia non patitur sophismata, fallacias et instantias, et hoc reducit concludendo contradictionem sive impossibile: et hoc patet in processu huius libri."49 O mestre catalão acreditava que a analogia entre as Dignidades divinas e as criadas permitiria a subsituição da lógica da Escola pela sua Arte.

* As abreviaturas usadas neste trabalho serão as seguintes: ROL = Raimundi Lulli Opera Latina, Palma de Mallorca, 1906-1950, vols. 1 a 5; Turnholt, Brepols, vols. VI em diante, em CORPUS CHRISTIANORUM, Continuatio Mediaevalis; EL = Estudios Lulianos, nova denominação a partir do vol. XXXI, 1, No. 84: SL = Studia Lulliana; Ca = T. i J. Carreras y Artau, Historia de la Filosofia Española: Filosofia cristiana de los siglos XIII al XV, 2 vols. (Madrid, 1939-43); CORREL = Jordi Gayà Estelrich, La teoria luliana de los correlativos, Palma de Mallorca, 1979; E. GARAY = L. Eijo Garay, Las Dignidades lulianas, EL 52-54 (1974) vol. XVIII, pp. 26-46; LONGPRÉ = E. Longpré, Lulle, Dictionnaire de Théologie Catholique, Lib. Letouzey et Ané, Paris 1926, cols. 1072-1141.

1 Cf. Ars Generalis Ultima, 7.3., in ROL XIV, op. 128, p. 107, editado por Aluisius Madre.

2 Lúlio (1233-1316) nasce na ilha de Palma de Maiorca, quatro anos após ser reconquistada aos árabes por Jaume I. Aos trinta anos, após uma repentina conversão, retira-se da vida pública e, segundo parece, torna-se íntimo dos monges da Abadia Cisterciense de Santa Maria la Real, na mesma ilha. Dedica-se, por sua conta, ao estudo e à contemplação, durante mais de nove anos, e chega a estabelecer as bases de um método e sistema de pensamento profundamente originais. Um dos primeiros trabalhos do filósofo maiorquino foi o Libre de contemplació en Déu, escrito originariamente em árabe, onde já se entrevêem as linhas do que será a obra de sua vida, a Arte luliana. Durante a sua longa existência, Lúlio escreverá 272 obras, das quais apenas se perderam 28, à exceção da produção em árabe, que se perdeu totalmente (Anthony Bonner, Obres Selectes de Ramon Llull, Ed. Moll, Maiorca, 1989, vol II, in fine), desde pequenos folhetos a verdadeiras enciclopédias, dando assim vazão à suas ânsias de converter o mundo judaico e árabe. Toda a sua filosofia tem, portanto, um objetivo prático. Notável foi, também, a sua variada atividade e sua enorme vitalidade psicossomática. Já na posse da Arte, um novo método combinatório que subsidia as operações do entendimento, Lúlio inicia uma série de longas viagens, que continuará até o final de sua vida, pela Europa e África do norte, visitando Papas, reis, imperadores e teólogos, a fim de ganhá-los para a nobre causa de tornar compreensíveis aos infieis as verdades da fé cristã. Sua Arte, que começou sendo um método de contemplação, passou assim a ser também um método de conversão: tendo como centro o Deus uno - aceite pelos muçulmanos e judeus -, princípio supremo, causa eficiente, fim e arquétipo de todas as coisas, a Arte luliana conduz ao artista que dela se serve a admitir necessariamente os dogmas cristãos. Finalmente, a Arte luliana acabou por transformar-se em uma lógica simultaneamente demonstrativa e inventiva, passando a conter, a título de Arte suprema, os princípios de todas as ciências, de tal forma que qualquer verdade, ao menos no que diz respeito a seus princípios, poderá ser inferida da mesma.

3 Lúlio fala dela na sua Logica Nova (dist. 5, cap. 3). Além disso, em 1305, pouco antes de concluir a Ars Generalis Ultima, Lúlio escreveu um pequeno livro, Liber de Demonstratione per aequiparantiam, que trata exclusivamente dessa demonstração. Editado por Brepols, corresponde à ROL IX, op. 121. Existe tradução portuguesa, feita sobre o original latino, ainda inédita, realizada por Donato Rosa.

4 Jordi Gayà opina que sem a teoria sobre o ente concreto desenvolvida por Lúlio a demonstração por equiparação perderia boa parte de seu valor comprobatório. Cf. CORREL., p. 219.

5 Cf. Charles Lohr, artigo publicado em Les Actes du Colloque sur R. Lulle - Université de Fribourg, 1984 - Éditions Universitaires Fribour Suisse 1986, traduzido ao português em LEOPOLDIANUM, vol XVIII, 1991, N0. 51, p. 5 a 18.

6 Cf. ROL IX op.121, p. "Quae quidem demonstratio non potest fieri propter quid, ex eo quia Deus non habet supra se aliquid,; et demonstratio quia non est potissima. Idcirco intendimus probare distinctionem in divinis per aequiparantiam et aequivalentiam actuum divinarum rationum."

7 Quando afirmativa, apenas pode realizar-se pelo modo Barbara da primeira figura; quando negativa, apenas pelo modo Cesare, o segundo modo da segunda figura.

8 Parte-se sempre de verdades porque a ciência não pode se originar do falso. Por verdades necessárias entendem-se as que se afirmam per se e não acidentalmente; isto é, verdades nas quais o afirmado universalmente deve estar sempre necessariamente no sujeito. Na demonstração aristotélica prova-se uma propriedade do sujeito com ajuda do termo médio, mas é necessário que o sujeito da premissa maior (o termo médio) apresente a causa própria, imediata e necessária dessa propriedade, e o predicado da menor seja a definição do sujeito. Apenas assim concluir-se-á que a propriedade inere per se no sujeito. Cf. S. Tomás, In Posteriorum Analyticorum, L.I,l.XIII n. 111.

9 No seguinte silogismo "a substância espiritual é imortal; ora, a alma é uma substância espiritual; portanto, a alma é imortal" a causa conhecida é que "a substância espiritual é imortal"; o efeito; "a alma e imortal". A comparação dos extremos se realiza com o termo médio "a substância espiritual", que expressa a essência do sujeito da conclusão e, além disso, constitui a causa própria do predicado da conclusão. No fim da demonstração - que se faz como qualquer outro silogismo: "a alma é imortal, porque é substância espiritual" -, conhecemos:
1) a causa da explicação do efeito "a alma é imortal": ser substância espiritual;
2) e o efeito, "a alma é imortal", em si mesmo, não apenas como efeito; porque "ser substância espiritual" é também a causa real de "a alma ser imortal". Portanto, conhecemos a essência do sujeito da conclusão.

10 A demonstração se perfaz como qualquer outro silogismo: "O corpo morre, porque envelhece". Portando, no fim dela conhecemos: 1) a causa da explicação de que "o corpo morre": "envelhecer" (ao mesmo tempo, a conclusão "o corpo morre" expressa uma causa do efeito "o corpo envelhece"); 2) todavia, não nos dá a conhecer a essência do sujeito da conclusão "o corpo", porque o termo médio "envelhecer" não é causa real do predicado da conclusão "morrer".

11 Cf. E. W. Platzeck, Miscelanea Luliana, Verdad y Vida, Tomo XXXI, 1973, p.447.

12 Cf. Liber de Universalibus, dist. 5, 1. in ROL XII, op 125, pg. 158: "Entitas est id, per quod ens est ens et producit sive agit ens, ita sicut per bonitatem bonum est bonum et agit bonum."

13 "Para dirimir equívocos ou dúvidas, chamaremos estes princípios de primeiros simplesmente e absolutamente, não pelo fato de que os demais se originem deles, mas pelo fato de que eles não têm origem em outros. Esta primitividade contém a natureza da primitividade mais perfeitamente do que a primitividade da causa para com o efeito, porque se aquela primeira é absoluta, esta segunda é respectiva" Cf. Liber de Demonstratione per aequiparantiam, prol., in ROL op. 121, p. 216-217.

14 Sobre o tema das Dignidades lulianas consulte-se E. GARAY, pp. 26-46.

15 Estes princípios são, em Deus, Dignidades, mas não nas criaturas. Cf. E. GARAY, p.33

16 Cf. Investigatio generalium mixtionum secundum Artem Generalem, dist. I, in ROL XVII, op. 81, p. 415: "De mixtione divinarum dignitatum non intendimus hic loqui nisi metaphorice sive per similitudinem et secundum modum intelligendi."

17 Cf. Liber de divina existentia et agentia, I dist. in ROL VIII, op. 180, p. 112: "Bonitas autem contracta ad Deum est optima, et magnitudo maxima, aeternitas aeternalissima, potestas potentissima, intellectus intellectissimus, voluntas volissima, virtus virtuosissima, veritas verissima, gloria gloriosissima et perfectio perfectissima. Ista autem principia sunt in Deo proprietates. Et dicuntur proprietates, quia sunt in superlativo gradu existentes. Et una de alia praedicari potest, et sic de Deo: Et hoc sic: Bonitas optima est magnitudo maxima, aeternitas aeternalissima, et sic de aliis, et e converso, mutando subiectum in praedicatum. Deus est etiam bonitas optima, magnitudo maxima, etc., et e converso, mutando subiectum in praedicatum. Talis autem conversio atque praedicatio in nullo alio ente nisi in solo Deo inveniri potest."

18 Cf. Liber de Universalibus, dist. 5, 2. in ROL XII, op 125, pg. 158: "Essentia est id, per quod est esse; sicut per humanitatem est homo et per igneitatem ignis; et est idem quod entitas."

19 Cf. Liber de Universalibus, dist. 1 27 in ROL XII, op. 125, pg. 152: "Substantia est ens, quod existit per se et in se; sicut Deus, angelus, homo, etc."

20 São Tomás no De ente et essentia diz que essência pode também ser designada pelo termo natureza, conforme o primeiro dos quatro significados que Boécio lhe dá no Livro sobre as duas Naturezas. Segundo este sentido, denomina-se natureza tudo aquilo que possa ser de algum modo apreendido pela inteligência. "Hoc etiam alio nomine natura dicitur, accipiendo naturam secundum primum modum illorum quatuor modorum quos Boetius in libro De duabus naturis assignat; secundum scilicet quod natura dicitur omne illud quod intellectu quocumque modo capi potest." O Texto de Boécio P.L. LXIV, 1341, diz assim: "Se se falar sobre a natureza de todas as coisas, dar-se-á uma definição que inclua tudo o que existe. Será, pois, assim: a natureza pertence àquelas coisas que, existindo, possam de algum modo ser conhecidas." Cf. O ente e a essência, Introdução, tradução e notas de Odilão Moura, Edit. Presença, Rio de Janeiro, 1981, p.94

21 Cf. Liber de Universalibus, dist. 5, 5 e 6, in ROL XII, op 125, pg. 158: "Abstratum est essentia rei; sicut albedo albi, grammatica grammatici. Concretum est esse, in quo sustentatur abstratum, quod est sua essentia; ut homo, arbor, etc."

22 A história da formação conceitual da teoria dos correlativos foi admiravelmente bem resumida por Jordi Gayà Estelrich, La teoria luliana de los correlativos, Palma de Mallorca, 1979, 242 páginas.

23 Cf. Liber correlativorum innatorum, II dist. 1, in ROL VI, op. 159, p. 132: "Dictum est, quod bonitas est ens, ratione cuius bonum agit bonum. Bonitas autem non posset esse ratio bono, quod produceret vel ageret bonum, sine tribus correlativis, scilicet bonificativus, bonificabile et bonificare. Sine quibus bonus non posset esse agens, bonificans ipsum bonificatum, bonificare ab utroque processum. Istis tribus correlativis existentibus distinctis, ab omni confusione remotis, in tantum, quod quodlibet eorum remaneat in suo numero et sua voce. Non quod bonificativus sit bonificatus vel bonificare, neque e converso; quia si sic, destruerentur vox et numerus eorum, et per consequens privaretur essentia relationis, quia esset deformata. Ratione cuius privationis bonitas non haberet naturam, et esset vacua et otiosa, et sua definitio esset destructa; quod est impossibile. Verumtamen dici potest, quod quodlibet correlativum est tota essentia bonitatis, et ipsa est quodlibet correlativum, ut ipsa sit una essentia indivisa et incomposita, in sua primitivitate, veritate et necessitate permanens."

24 O indivíduo humano, segundo Lúlio, é uma substância existente per se precisamente porque seus princípios inatos são a substancial bondade, grandeza, etc, que existem per se. Além do mais, o indivíduo humano é composto de alma racional e de um corpo humano. Os princípios inatos do corpo humano agrupam-se em quatro potências: a elementativa, a vegetativa, a sensitiva e a imaginativa, os quais, quando alcançam a sua devida composição ordenada à recepção da alma, perfaz-se o homem individual. Cf. Metaphysica nova et compendiosa, III dist. I, in ROL VI, op. 156, p.28.

25 Não deve estranhar essa terminologia, mesmo quando, de acordo com Lúlio, os correlativos da alma sejam espirituais, Cf. Liber correlativorum innatorum, VII dist., in ROL VI, op. 159, p. 147, e portanto ela seja totalmente imaterial. Material, quando referido à alma, indicará o elemento objetivo do ser, o termo ad quem daquela tensão íntima bipolar que se encontra em cada ente entre sua capacidade de atuar e o atuado. S. Tomás também usa o termo material referido às naturezas espirituais quando, por exemplo, afirma que entre os intelectos, o mais perfeito é o mais imaterial. CF. I, 84, art. 2, Resp. "Et inter ipsos intellectus, tanto quilibet est perfectior, quanto immaterialior."

26 Cf. Liber correlativorum innatorum, VII dist., in ROL VI, op. 159, p. 147; e Metaphysica nova et compendiosa, III dist. I, in ROL VI, op. 156, p.29.

27 Cf. E. GARAY, pp. 29: "Presenta Lulio los atributos y virtudes de Dios, y los estudia o contempla no sólo como notas del Divino Ser que el entendimiento adquiere estudiando las criaturas y elevando y purificando su conocimiento, sino muy especialmente como supremas y típicas perfecciones por las cuales lo son las similares que poseen las criaturas: y así, cuanto hay en éstas de bueno, grande, glorioso, poderoso, etc. lo es por la bondad, grandeza, gloria, poder, etc. de Dios, que se refleja en las criaturas; de manera semejante a lo que ocurre en el ordem intelectual humano, que cuantas verdades adquiere por demostración nuestro entendimiento, en tanto son verdades demostradas en cuanto a la mirada de nuestro entendimiento participan de la evidencia y claridad de las primeras verdades per se notas; cada demonstración, pues, es la resolución en éstas de otras verdades menos evidentes." S. Tomás afirma que a essência de Deus é a semelhança perfeita de tudo, quanto a tudo o que se encontra nas coisas, como princípio universal de todas elas; Cf. I, q.84, 2 ad 3,: "Essentia Dei est perfecta similitudo omnium quantum ad omnia quae in rebus inveniuntur, sicut universale principium omnium".

28 Cf. De duodecim principiis (ou De Lamentatione Phil.), Prol., in ROL VII, op. 170, p. 87:"Ego autem dupliciter sum philosophia videlicet: Primo cum sensu et imaginatione mens intellectus causat scientiam. Post autem cum duodecim imperatricibus quae sunt haec: divina bonitas, magnitudo... sum superius."

29 "Si ambo videmus verum esse quod dicis, et ambo videmus verum esse quod dico, ubi, quaeso, id videmus? Nec ego utique in te, nec tu in me, sed ambo in ipsa, quae supra mentes nostras est, incommutabili veritate." Cf. S T., I, 84, a. 5, Sed contra.

30 Cf. S. T. I, q. 84, art. 5, Resp.: "Cum ergo quaeritur utrum anima humana in rationibus aeternis omnia cognoscat, dicendum est quod aliquid in aliquo dicitur cognosci dupliciter. Uno modo, sicut in obiecto cognito: sicut aliquis videt in speculo ea quorum imagines in speculo resultant. Et, hoc modo, anima, in statu praesentis vitae, non potest videre omnia in rationibus aeternis; sed sic in rationibus aeternis cognoscunt omnia beati, qui Deum vident et omnia in ipso. Alio modo dicitur aliquid cognosci in aliquo sicut in cognitionis principio: sicut si dicamus quod in sole videntur ea quae videntur per solem. Et sic necesse est dicere quod anima humana omnia cognoscat in rationibus aeternis, per quarum participationem omnia cognoscimus. Ipsum enim lumen intellectuale, quod est in nobis, nihil est aliud quam quaedam participata similitudo luminis increati, in quo continentur rationes aeternae. Inde in psal. IV (6 et 7) dicitur: Multi dicunt: Quis ostendit nobis bona? Cui quaestioni Psalmista respondet, dicens: Signatum est super nos lumen vultus tui, Domine; quasi dicat: per ipsam sigillationem divini luminis in nobis omnia demonstrantur."

31 Cf. Liber de modo naturali intelligendi, III, in ROL VI, op. 161 p. 191. Ao explicar a origem aristotélica do termo Dignitas, diz L. Eijo Garay: "A quienes tienen a Lulio por un neoplatónico, les parecerá arbitrario explicar esos tecnicismos con textos del Estagirita; pero quienes no padezcan ese prejuicio lo encontrarán muy ajustado. Mientras más se ve lo aristotélico que es Lulio." E.GARAY, p. 35.

32 Cf. E. W. Platzeck, La combinatoria luliana, em Revista de Filsofía, 47(1953), p. 601.

33 "Frente a unos paradigmas clásicos de materia y forma, acto y potencia, bajo los cuales se intentaba explicar este proceso por el que el ente encuanto tal es ser, Lull no opone, pero si trabaja un nuevo paradigma. Un paradigma que no se opone por cuanto es deudor en muchos de sus términos de los viejos esquemas, pero que a la vez toma en consideración otros puntos de vista, como son los científicos y los lógicos." CORREL., p. 225.

34 Cf. também Liber de experientia realitatis Artis ipsius Generalis, VII dist. in ROL XI, op. 138, p. 218: "Per Artem istam possunt probari res, non per superius, nec per inferius, sed per aequale."

35 O termo médio de um silogismo tem de ser único, mas basta a unidade de proporcionalidade. Ora, um termo análogo, por representar a unidade dos diversos analogados, serve também como termo médio de uma demonstração, dizia o estagirita. S. Tomás, comentando os Segundos Analíticos, explica que quando dois conceitos são análogos referem-se a algo comum e a algo distinto; ora, na medida em que duas realidades têm algo em comum, podem servir de termo médio, comparando-se esse aspecto comum com os termos extremos. Os números e as retas, diz S. Tomás, são especificamente diferentes, mas convém no gênero, pois tanto a linha reta quanto os números crescem de um modo tal que as proporções se demonstram tanto com números como com retas. Da mesma maneira, o arco-íris ou o eco, poderiam servir de termo médio, pois ambos fenômenos têm em comum o fato de serem uma certa repercussão. (L.II, l.XIX, n.577) "Tertio autem dicit de his quae conveniunt secundum analogiam, quod in his etiam oportet esse medium unum secundum analogiam; sicut supra dictum est quod tam iris quam echo est quaedam repercussio", in Marietti 1955, p. 397.

36 Cf. Metaphysica nova et compendiosa, III dist. I, in ROL VI, op. 156, p.11.

37 As palavras exatas de S. Agostinho são as seguintes: "Quidquid tibi vera ratione melius occurrerit, scias fecisse Deum" Cf. De libero arbitrio, l. III, c. V, P.L., t.,XXXII, col 1277, citado por LONGPRÉ, col. 1118-1119.

38 Cf. Francisco P. Muñiz, La <> de Santo Tomás para demostrar la existencia de Dios, Revista de Filosofia, 10-11(1944), p.417-422. São Tomás, para demonstrar a existência de Deus, mediante a quarta via, utiliza ao menos três procedimentos: o platônico (a multiplicidade é causada pela unidade), o aristotélico (diz-se que uma perfeição encontra-se realizada em diversos graus por referência a um máximo), e o aviceniano (se uma perfeição existe não segundo toda sua razão de ser é causada por um agente extrínseco).

39 Cf. Metaphysica nova et compendiosa, III dist. I, in ROL VI, op. 156, p.12. "Existindo o entendimento finito, algum entendimento terá de ser infinito, de tal modo que com seu entender infinito entenda todos os inteligíveis; pois se tal entendimento infinito não existisse, o ente ótimo, máximo, eterno, potentíssimo e infinitamente inteligível, não seria entendido por razão de sua dignidade. E assim haveria mais ignorância que ciência. Deste modo, o ente ótimo, máximo... estaria no grau superlativo e ao mesmo tempo nele não estaria, pois, por não ser inteligível, não poderia estar no grau superlativo. Portanto, mostrou-se a contradição, e devemos concluir que existe o entendimento infinito". Demonstra-se a necessidade de um entendimento infinito a partir da existência de um inteligível infinito em ato, pois onde quer que se dê o ato, haverá o agente e o agível.

40 Cf. Epistola Raimundi, apensa ao Liber de experientia realitatis artis ipsius generalis, in ROL XI, op 138, p. 221.

41 Cf. E. W. Platzeck, Observaciones del P. Pacual sobre Lulistas alemanes, Revista Española de Teologia, I(1940-41), p. 289.

42 Cf. Declaratio Raimundi, per modum dialogi edita contra aliquorum philosophorum et eorum sequacium opiniones erroneas et damnatas a venerabili patre Domino Episcopo parisiensi, Cap. 118, ROL XVII, op. 80, p 353. Existe tradução portuguesa, feita sobre o original latino, ainda inédita, realizada por Donato Rosa.

43 Id., id.

44 Segundo T. e J. Carreras Artau a demonstração por equiparação poderá realizar-se de três maneiras diferentes: pela igualdade entre as potências para demonstrar a causa que as faz existir; pela igualdade da potência com seu ato ; e pela igualdade entre os atos das mesmas potências. Cf. Ca, tomo I, p. 459

45 Cf. Nota 35.

46 O texto que traz a seqüência completa dos passos da demonstração por equiparação da distinção em Deus é o seguinte: "Nos autem tenebimus in prologo istum ordinem in probando: Primo igitur intendimus probare actus ignotos per actus notos in divinis, sicut bonificare, etc. per intelligere et amare. Secundo probabimus per istos actus concordantiam, et per concordantiam differentiam, et per concordantiam et differentiam aequalitatem in divinis personis. Et postea descendemus ad propositum principale. Volumus etiam declarare, cum istam investigationem faciamus per principia nostrae Artis Generalis, quod tria sunt principia consequentia, scilicet concordantia, differentia et aequalitas; quibus mediantibus demonstrabimus per aequiparantiam distinctionem supra dictam.

Quod autem bonitas, et sic de aliis, actus habeant, sic probamus: Quando aliquae rationes ita se habent, quod quaedam habent proprios actus, et aliae non, realiter se ipsis differunt. Sed si divinus intellectus et divina voluntas habent proprios actus, divina autem bonitas, magnitudo, aeternitas, et sic de aliis, non realiter se ipsis differrent. Sed constat quod realiter in Deo non differunt; ergo divina bonitas, et sic de aliis, proprios habent actus. Probatum est, quod divina bonitas habet actum, sicilicet bonificare; et sic de aliis.

Sed quod ex actu sequatur concordantia, sic probatur: Quia ubicumque est dare actum, est agens et agibile. Sed agens et agibile conveniunt in agere. Ergo ubicumque est actus, est dare concordantiam; sine qua non posset esse illi actus. Quod autem differentia ex concordantia sequatur, sic mostratur: Ubicumque est concordantia, sunt plura. Sed ubicumque sunt plura, est differentia; ergo ubicumque est concordantia, est differentia.

Quod autem ex concordantia et differentia in Deo sequatur aequalitas, sic probamus: In omni subiecto, in quo est dare concordantiam et differentiam infinite et aeterne, est aequalitas earundem in infinitate et aeternitate. Sed in Deo est dare concordantiam et differentiam, ut probatum est; et sunt infinite et aeterne, vere et necessariae, quia aliter nequeunt se habere; ergo sequitur aequalitas ex praedictis." Cf. Liber de Demonstratione per aequiparantiam, ROL op. 121, Prol., pp. 219-220.

47 Cf. Aristóteles, Metafísica, Edit. Globo 1969, p. 119. 48 Cf. E. W. Platzeck, La combinatoria luliana, Revista de Filosofia, 13(1954), p. 161-162.

49 Opera parva, IV, Palma, 1746, p. 40; Citado or E. W. Platzeck, Observaciones del P. Pacual sobre Lulistas alemanes, Revista Española de Teologia, I(1940-41), p. 765.