Classificação
dialetal
Toda
língua costuma apresentar duas caras: Dum lado, a histórica, de
tendência desagregadora, resultado da evolução in situ duma língua original da qual se
desprendeu (por ex., o catalão com respeito ao latim), modificada,
no caso do catalão, por fatores geográficos (as serras, por. ex.,
são fronteiras de comunicação), fatores históricos como o substrato
ou língua anterior à romanização (por. ex., o ibero), o superstrato
ou língua sobrevinda (por. ex., o árabe), o adstrato ou língua vizinha
(o occitano, o aragonês) ou fatores internos à própria língua; doutro
lado, o padrão, de impulso
unificador, que tende a limar diferenças dialetais, que facilita
a comunicação entre os seus usuários e que se torna a língua da
administração, da escrita, dos meios de comunicação.
Aqui
nos ocuparemos da língua histórica, um sistema lingüístico que se
realiza através de subsistemas diversos ou dialetos (o rossilhonês,
o valenciano, o maiorquino, etc.). Assim como há línguas históricas
que compreendem dialetos bastante diferenciados (por. ex., a langue d’oïl, com o valão, o normando,
o franciano, etc.), a língua histórica catalã apresenta um mosaico
não muito diferenciado de variedades dialetais que permite uma intercomunicação
cômoda. Na idade média esta situação era ainda mais marcada de modo
que fica difícil distinguir, por critérios lingüísticos, o escrito
dum valenciano, do dum maiorquino ou do dum barcelonês, Todo o mundo
diz mà “mão”, dit “dedo”, braç “braço”, neu “neve”, mut “mudo”,
etc. fronte ao cast. mano,
dedo, brazo, nieve, mudo, etc., e, por isto, o catalão constitui
uma língua fronte ao castelhano. No entanto as diferenças existiam,
existem. E os atlas lingüísticos dão conta delas, como também dos
seus elementos comuns; mas também, segundo as áreas do nosso domínio,
uns dizem llombrígol e outro melic “umbigo”, uns cop de puny
e outro punyada “murro”,
para não citar exemplos de mais notável variação como ullals, claus, canines, avellaners, dentons, colmillos, colomellos “presas”.
Um
dialeto é a particularidade que adota um sistema lingüístico, uma
língua histórica, numa área determinada, onde fica delimitado geralmente
por uma carreira de isoglossas ou linhas imaginárias que separam
territorialmente dois traços: por. ex., o rossilhonês pela que separa
(jo) cant[i] de cant[u] “(eu)
canto”, canç['u] de canç['o] “canção”, belleu de potser (ou poder) “talvez”, etc.
A
dialetologia, que estuda os dialetos, tenta fazer uma classificação,
tarefa difícil, complexa, porque à dificuldade de traçar fronteiras
(que não costumam ser lineares mas feixes de isoglossas) se unem
diferenças internas relacionadas com o polimorfismo, a mudança de
geração ou a influência do padrão. Trata-se de fenômenos históricos,
sociais, avessos a uma classificação. Não é como classificar borboletas.
Por isto, alguns dialetólogos, em vez de falar de dialetos, para
eles de difícil fixação, falam de limites de traços dialetais, porque
com freqüência estes não se sobrepõem, mas a cada traço corresponde
uma isoglossa de limites não coincidentes e até mesmo afastados.
No entanto uma classificação aproximativa
é possível:
Nesta classificação, prescindimos do
salat (chamado assim pelo uso do artigo
es, sa
[< lat. ipsu, ipsa],
usado desde Blanes a Begur e a Cadaqués), já que se encontra em
recessão e não conta com outras características distintivas, e do
xipella, que ocupa povoações dispersas do leste da Seu d’Urgell, Segarra
e Conca de Barberà), pela languidez do uso da sua característica,
[e] final > [i], especialmente nos plurais femininos (por. ex.,
lis vaquis). Acrescentamos, dentro do valenciano
meridional, um subdialeto, o alacantí,
por possuir características próprias.
Catalão oriental/catalão ocidental
A
maior parte dos dialetólogos concordam em admitir uma primeira divisão
do catalão, uma macrodivisão em dois grandes blocos, o catalão oriental
e o catalão ocidental, a partir duma seleção duns poucos traços;
a propósito da escassa fragmentação medieval de que falávamos, ante
um escrito desta época, com freqüência temos de nos conformar dizendo
que o texto é ocidental ou oriental, sem, porém, ir além na sua
localização diatópica.
Alguns
desses traços dialetais que opõem catalão oriental e catalão ocidental
são: a) [a], [e] diferenciadas
ou neutralizadas em [ə] (cat. oc. p[a]lleta,
derivado de palla “palha”
e p[e]lleta,
derivado de pell “pele”,
fronte ao cat. or. p[ə]lleta, derivado de palla e de pell); b) [o], [u] diferenciadas ou confluídas
em [u] (cat. oc. c[o]queta, derivado de coca “um doce”, e c[u]queta, derivado de cuca “inseto”, fronte ao cat. or. c[u]queta, derivado de coca e de cuca); c) elisão ou não
de [j] do segmento [jʃ] de palavras como cuixa “coxa” (cat. oc. cu[jʃ]a fronte ao cat. or. cu[ʃ]a).
Notemos no entanto: 1) que pode haver exceções (quase
todo o maiorquino dá pl[o]rar, portanto, não inflecte o [o] átono
em [u], como faz o catalão oriental); 2) que as isoglossas que separam
um bloco do outro (ou dum dialeto do outro) nem sempre se sobrepõem,
mas formam feixes, trinchas onde aquelas se interferem.
Características dos
dialetos catalães
Catalão
ocidental
a) Catalão norte-ocidental
Ao
norte limita como o aranês, dialeto gascão do occitano, do qual
são encontradas algumas influências como milloc ‘blat de moro’ “milho” ou auca ‘oca’ “ganso” por causa das relações de trabalho e comerciais.
Ao oeste, apresenta dois tipos de fronteiras com o aragonês (ou
o castelhano-aragonês): Ao norte de Tamarit de la Llitera, onde se encontram
dialetos constitutivos (derivados in
situ do latim vulgar), as isoglossas se aproximam e se separam,
formando um feixe; ao sul de Tamarit, ao contrário, área de dialetos
consecutivos, transferidos por repovoamentos à raiz da Reconquista,
aquelas isoglossas cavalgam umas sobre as outras, constituindo praticamente
uma fronteira linear, salvo no Matarranya onde se encontram características
singulares (como a ditongação do e aberto arcaico: por ex., piel, pial ‘pèl’ “pêlo”). A fronteira com o catalão oriental segue a linha
divisória das bacias fluviais.
Algumas
características: artigo lo (lo
camí), que se torna artigo pessoal (lo
Joan), desinência -o
da pess. 1 do presente do indicativo (canto)
e desinência –e da pess.
3 do mesmo tempo ([ell] cante),
freqüência de [tʃ] (txartxa ‘xarxa’ “rede”),
alternativa das desinências -o,
-os, -o,
-on além das tradicionais
-a, -es,
-e, -en do presente do subjuntivo (que
corro, -os, -o, -on) com as quais convivem,
lexemas como moixó ‘ocell’
“pássaro”, palmar ‘lleixa’
“patamar”, trebol ‘trespol’
“telhado”, galleta ‘galleda’ “balde”, etc.
Compreende
estes subdialetos: pallarès, ribagorçà e tortosí.
O
pallarès, ameaçado pela
sangria do despovoamento, destaca-se pelo seu arcaísmo favorecido
por um evidente isolamento geográfico. Notamos o [ε] < -ai- (f[ε]t < fait < factu; prim[ε]r < primairu
< primariu), a variante sonorizada dos demonstrativos
aguet ‘aquest’ “este”, e aguell ‘aquell’ “aquele”, o [j] de puiar ‘pujar’ “subir”, maior ‘major’ “maior”, o artigo plural
masculino les (les hòmens), imperfeitos em -iva,
-eva (bativa, bateva), a negação
com cap (no vinrà cap), lexemas como lleu
‘promte’ “logo”, aulesa
‘dolentia’ “maldade”, clop
‘pollancre’ “choupo”, retjo
‘fort, rígid’ “rijo”.
O
ribagorçà constitui como
uma ponte entre o catalão e o aragonês, desde Tamarit até Benasc,
este como falares de transição para o aragonês, com o qual compartilha
traços como as oclusivas (i f)
+ l palatalizadas (pllorar
“chorar”, bllau “azul”, fllor “flor”), o -z- ensurdecido (cossa “coisa”), [tʃ] em vez de [ʃ] (txent txove
‘gent jove’ “gente jovem”). São afinidades com o pallarès o [ε] procedente do ditongo -ai- (prim[ε]r), o [j] de puiar, os imperfeitos
em -eva, -iva. Destacam-se os morfemas do plural
feminino -as/-es (vacas/vaques), a não restituição de n no plural dos antigos proparoxítonos
acabados em nasal (homes
fronte a hòmens [< homines] do resto dos dialetos ocidentais), demonstrativos de
três graus (açò, això, allò), a preposição
enta, enda ‘vers, cap a’ “para”, “em direção a” e palavras como torterol ‘turmell’ “tornozelo”, ratxa ‘cugula’ “joio”, cotxo ‘gos’ “cão”.
O
tortosí, que ocupa em
sentido estrito o Baix Ebre e o Montsià, e em sentido mais lato
poderia se estender o nome à Ribera d’Ebre, Terra Alta, Matarranya,
Ports de Morella e Maestrat, constituindo uma área de transição
entre o norte-ocidental (artigo lo,
moixó ‘ocell’ “pássaro”) e o valenciano (-bl-, -gl- fricativos, [ell]
cant[a], en ‘amb’ “com”, carrasca
‘alzina’ “azinheira”); de todo jeito, é preciso levar em conta algumas
características próprias dos falares do Matarranya (ditongação do
e aberto arcaico; piel, pial ‘pèl’ “pêlo”;
[θ] de be[θ]ons ‘bessons’ “gêmeos”). O tortosí estrito conhece arcaísmos (pagor ‘por’ “medo”), arabismos (baldrana “lingüiça de arroz”) e palavras
específicas como escuranda
“vasilha para arear”, creixent
‘llevat’ “lêvedo”.
b) Valenciano
O valenciano estende-se pela parte oriental do antigo
“Reino de Valência”, ficando fora do seu âmbito lingüístico as terras
que vão do Alt Millars à Vall de Cofrents, ocupadas desde o s. XIII
por aragoneses e assimiladas ao castelhano desde o s. XV. Requena
e Villena, de expressão castelhana, forma anexadas em 1836 às províncias
de Valência e Alacant (Alicante) respectivamente; Asp e Monfort
formam uma ilhota castelhana como conseqüência do repovoamento realizado
depois da expulsão dos mouriscos (1609). A várzea de Oriola, tradicionalmente
de fala catalã, sofreu substituição lingüística desde o s. XVII
pelo povoamento com gente castelhana ulterior à marcha dos mouriscos
e por atração demográfica das Pias Fundações do cardeal Belluga.
Topônimos como Hortanova
o apelativos como pancha
‘panxa’ “pança” (cast. panza)
são testemunhos da anterior capa lingüística.
Algumas
características gerais: artigo el, sufixo -ada > -à (cremà ‘cremada’ “queimada”), preposição
en ‘amb’ “com”, desinência -a da pess. 3 do presente do indicativo
dos verbos da primeira conjugação ([ell] cant[a]),
pessoa 1 do presente do indicativo de haver,
[jo] ha ‘he’ “hei” (ha caminat ‘he caminat’ “caminhei”), imperfeitos
do subjuntivo em -ara,
-era, -ira (cantara, volguera, sentira), arcaísmos (llavar
‘rentar’ “lavar”, colp
‘cop’ “golpe”, badomia
‘niciesa’ “tolice”), arabismos (que oferecem uma lista mais rica
que em outros territórios porque os muçulmanos permaneceram aí até
1609: Alzira, Albalat,
bellota ‘aglà’ “bolota, lande”, atzucac
“beco sem saída”), aragonesismos que são herança da partição de
aragoneses no repovoamento do País Valenciano (sinse
‘sense’ “sem”, gemecar
‘gemegar’ “gemer”, villabarquí
‘filaberquí’ “berbequim”), palavras próprias (voler
‘estimar’ “amar”).
Os
subdialetos são: valenciano apitxat ou central,
valenciano setentrional
e valenciano meridional.
O
valenciano apitxat vai
do Camp de Morvedre à Ribera, com cidades importante como Valência,
Sagunt e Alzira, e caracteriza-se pelo apitxament
ou ensurdecimento de [z] > [s], [dz] > [ts], [dʒ] > [tʃ] (ro[s]a, a[ts]ucac, via[tʃ]e), o betacismo
([b]aca) e o perfeito
simples (aní ‘vaig anar’
“fui”).
O
valenciano setentrional,
com falares de transição para o norte-ocidental, como dissemos,
caracteriza-se pela realização de [dʒ] como [ʒ], [jʒ] (viage,
viaige ‘viatge’ “viagem”),
a despalatalização de [jʃ] (ca[jʃ]a > ca[js]a), o uso pouco estável
do [v] labiodental, o artigo lo,
a desinência -o da pess.
1 e -e da pess. 3 do presente do indicativo
dos verbos da primeira conjugação (canto,
cante), o emudecimento
do –r dos infinitivos (fé ‘fer’ “fazer”) e do -t
do grupo -nt final (ven
‘vent’ “vento”), algum arabismo (farda
‘esquirol’ “esquilo”) e palavras próprias (merita
“abibe-comum”, fleitera
‘formatgera’ “queijeira).
O
valenciano meridional
vai da Ribera ao Baix Vinalopó e apresenta afinidades com o valenciano
setentrional ([v] labiodental, -t
mudo dos grupos -nt e
-lt finais [cen ‘cent’ “cem”, mol ‘molt’
“muito”], perfeito perifrástico) e especificidades como a harmonia
vocálica exercida pelo o
e e abertos sobre a vogal final a (d[ɔ]n[ɔ] ‘dona’ “mulher”, t[ε]rr[ε] ‘terra’), que se manifesta de
modo especial ao sul da linha Biar-Busot, que separa o chamado alacantí; este limite simbólico corresponde
grosso modo ao que foi
pactuado pelo Tratado de Almirra entre Jaime I e Afonso X de Castela,
ampliado em 1304
a favor dos monarcas catalães e que coincide
com uma fronteira geográfica (serra de Mariola de Aitana), administrativa
(“governadoria” de Oriola) e religiosa (diocese de Oriola), com
mais facilidades de comunicação com a Múrcia e La Mancha do que com Valência.
Dentre os traços mais característicos cabe citar a diferenciação
do ditongo [ɔw] ou [ow] em [aw] (pau ‘pou’
“poço”, au ‘ou’ “ovo”),
caída extrema do -d- (sea ‘seda’), redução [jʃ] > [ʃ] (ca[ʃ]a ‘caixa’), os demonstrativos
astò, això, allò, arcaísmos (orellal
‘arracada’ “brinco”) e bastantes castelhanismos (varraco ‘verro’ “barrão”, assul
‘blau’ “azul”).
Ainda
dentro do alacantí cumpre
mencionar o maiorquino
residual do vale de Gallinera e, especialmente, de Tàrbena, estendo
a outras povoações da Marina (Xaló, Llíber, Pedreguer). Umas 150
famílias maiorquinas, em princípios do s. XVII, colonizaram aquelas
terras quase abandonadas por causa da expulsão dos mouriscos. Em
Tàrbena conserva-se o artigo salat (as cavall ‘el cavall’ “o cavalo”), o artigo pessoal (an ‘en’ “o”) e vocábulos como oruga (val. gruga “lagarta”), melicotó
(val. malacató “pêssego”),
crosses (val. closses, “bengala, bastão”), escanyat
‘enrogallat’ “enrouquecido”. Fora de Tàrbena encontram-se salpicos
do maiorquino em palavras como tudar
‘fer malbé’ “desmantelar”, malavejar
‘maldar’ “labutar”, gruixat
‘gruixut’ (“grosso”).
Catalão
oriental
a) Catalão oriental
Ao
oeste fica delimitado pelo limite com o catalão norte-ocidental
e ao norte, com o setentrional de transição por uma isoglossa, cant[u]/cant[i] “canto”, vigente em princípios do s. XX. Converteu-se no dialeto
de referência para a língua literária pela sua demografia, o seu
distanciamento do castelhano, a sua produção literária e por conter
a capitania, Barcelona, com a sua força expansiva para outros dialetos.
Entre
as suas características fonéticas, além da neutralização de a,
e átonas (casa, home “homem”), da
passagem de [o] > [u] átona (c[u]rral ‘corral’ “curral”) e do [j] não sensibilizado
no ditongo do segmento [jʃ] (cu[ʃ]a), notamos a palatal fricativa,
surda ou sonora, [ʃ], [ʒ], de xinxa
“percevejo” e jugar “jogar”
(e fronte às africadas da maior parte do ocidental), o emudecimento
da dental final dos grupos mp,
nt, lt (cam ‘camp’ “campo”, ven ‘vent’ “vento”, mol
‘molt’ “muito”), o iotacismo pelo qual os grupos latinos -c’l-, -g’l-, -lj- se tornam [j] (peduc’lu > poi ‘poll’ “piolho”, reg’la
> reia ‘rella’ “relha”,
taliare > taiar ‘tallar’ “talhar”) numa área compreendida entre o Ter, o Llobregat
e a fronteira com o ocidental (com exclusão de Barcelona); trata-se
duma articulação subestimada, sem prestígio, por causa da pressão
do modelo barcelonês e da língua escrita, que não acolheu esse traço.
Em morfologia, usa-se o artigo el,
la, que se estendeu parcialmente ao artigo
pessoal (l’Andreu “o André”,
la Maria “a Maria”, l’Eulàlia “a Eulália”, mas en
Joan “o João”, em pugna já com el
Joan) e em léxico, além do uso de algumas palavras características
(bola ‘betum’ “betume”, broca ‘agulla [del rellotge]’ “ponteiro”,
eixavuirar ‘esternudar’
“espirrar”, micaco ‘nespra
del Japó’ “nêspera”) é forte a tendência a substituir formas clássicas
(torcar → eixugar
“enxugar”, amollar →
deixar anar “soltar”).
Dentro
do catalão central, podem-se distinguir o catalão setentrional de transição e o tarragoní.
O
catalão setentrional de transição
participa das características do catalão central, mas também de
algumas do rossilhonês sem faltarem as suas próprias. Compreende
grosso modo a parte setentrional das comarcas
do Alt Empordà, Ripollès, Garrotxa e Cerdanya, embora esta apareça
amiúde com características diferentes, dentre as quais as de influxo
francês (llapí ‘conill’ “coelho”, ficela ‘cordill’ “cordel”). Em fonética,
notamos o o fechado em
flor, olla “panela”, hora, acorde
com o o também fechado
do latim (e que o rossilhonês fechará em [u]); em morfologia, as
variantes soms ‘som’ “somos”, sous ‘sou’ “sois” do presente do indicativo de ser, o reforço consonântico da desinência da pessoa 1 do presente
do indicativo cànt[ut],
cànt[uk], as formas proparoxítonas néixere ‘néixer’ “nascer” e conèixere ‘conèixer’“conhecer”, o infinitivo
paroxítono fúger ‘fugir’, ou o radical labializado de crevem ‘creiem’ “cremos”, crevia
‘creia’ “cria”. Em léxico têm afinidade com o rossilhonês cel de la boca ‘paladar’ “céu da boca”, tacos ‘galteres’ “papeira”, gargaix,
es- ‘gargall’ “escarro”
e são palavras próprias vessana
‘unidade de medida agrária’, cap-rodo
‘rodament de cap’ “tontura”.
O
tarragoní é um subdialeto
de transição entre o catalão oriental e o catalão ocidental, visível
pelas isoglossas que gradualmente e irregularmente vão de oeste
a leste: redó/rodó “redondo”,
ploia/plovia “chovia”, mos/ens “nos”, etc. Participam das soluções
ocidentais o [tʃ] e o [dʒ] iniciais e pós-consonânticos (gan[tʃ]o “gancho”, [dʒ]endre “genro”), o [j] que
procede o [ʃ] e o [ʒ] (co[jʃ] “coxo”, afe[jʒ]ir “acrescentar”), a restituição
da nasal dos antigos proparoxítonos (hòmens ‘homes’ “homens”), palavras como moixó ‘ocell’ “pássaro”, camí
‘vegada’ “vez”. Mostram a peculiaridade do tarragoní
o mantimento do [v] labiodental de [v]i
“vinho”, [v]aca (com tendência
ao betacismo nas gerações jovens), estendida ao -b- (< -p-) por dissimilação
em contextos bilabiais (pu[b]ill “marido pobre duma herdeira rica” >
pu[v]ill); a geminação de [ɲ] e [ʎ] intervocálicos (ca[ɲɲ]a ‘canya’
“cana”, ra[ʎʎ]a ‘ratlla’
“traço”), variantes como aquet,
aqueta ‘aquest, -a’ “este,
-a” ou palavras como guino
‘avar’, “avaro”, enxaneta “menino que coroa as torres humanas
chamadas castells”, romesco “um molho típico”, xorc ‘brut’ “sujo”.
b) Rossilhonês
O
rossilhonês ou catalão setentrional fala-se ―cada vez menos,
pela concorrência do francês― nas comarcas do Rossilhão, Vallespir,
Conflent e Capcir. Tem por base o latim falado entre as Corberes
e as Alberes, amiúde com uma paralela evolução com occitano. A fronteira
com este é constituída por uma carreira de isoglossas quase sempre
sobrepostas (tu/tü, col/caulet “couve”, groc/jaune “amarelo”, etc.); porém o Capcir, como vemos mais abaixo,
mostra-se fortemente occitanizado. Em fonética cabe ressaltar a
falta de palavras (ou sintagmas) proparoxítonos (botanica,
guarda-mè), a falta de
valor fonológico opositivo e/ε, o/ɔ (não se distingue fonologicamente Déu “Deus” e deu “olho d’água”, ou ós
“urso” de os “osso”; neste
último caso, a oposição funciona de outra forma, isto é, ['us]/['os]
porque [o] > [u], como m[o]sca > m[u]sca); o segmento átono final -ia perde o -a (gabi ‘gàbia’ “gaiola”);
o [ʃ] final reduz-se a [j] (calai ‘calaix’ “gaveta”); abundam as assimilações consonânticas (redd[u]r ‘rector’ “reitor”, dissa[dd]e ‘dissabte’ “sábado”). Em morfologia,
numa parte do dialeto perde-se a nasal do plural das palavras oxítonas
(camís ‘camins’ “caminhos”), o artigo plural
els realiza-se el ou es (el cavalls, es cavalls
“os cavalos”); o presente do indicativo tem a desinência –i (canti), estendida ao
imperfeito e ao futuro do pretérito (cantavi,
cantarii), as pess. 4
e 5 do presente do indicativo de ésser
“ser”, são, sem, seu,
e são de se destacar particípios como naixit
‘nascut’ “nascido”, vencit
‘vençut’ “vencido”. Em sintaxe, a única marca negativa é pas (vinrà pas). Em léxico
registram-se alguns arcaísmos (ca
‘gos’ “cão”, eixir ‘sortir’
“sair”, cavalla ‘egua’ “égua”) e francesismos (mere ‘batlle’ “prefeito”, ancra ‘tinta’); porém a personalidade rossilhonesa,
em face dos outros dialetos catalães, brilha em casos com oliu ‘olivera’ “oliveira”, pallago ‘noi’ “rapaz”, llipoter ‘arboç’ “medronheiro”.
O capcinès,
como dissemos, é um subdialeto muito occitanizado, como se faz ostensível
em traços que aparecem nas palavras paire
‘pare’ “pai”, posoll ‘poll’
“piolho”, os possessivos miu,
tiu, siu,
e palavras como tampar
‘tancar’ “fechar”, tet
‘teulada’ “teto”. A transição para o occitano nota-se na semilabialização
do /u/ latino em [œ]: tœ ‘tu’ (oc. tü).
c)
Baleárico
Falado
em Maiorca, Menorca, Eivissa (Ibiza) e Formentera, tem por base
o catalão, de cunho oriental, transferido pelos colonizadores que
se instalaram aí depois da conquista cristã. A adscrição ao catalão
oriental se evidencia pela neutralização de a, e átonos, o iotacismo
(paia ‘palla’ “palha”)
―que pode chegar ao grau zero (paa)―,
a falta de [j] em casos como ca[ʃ]a ‘caixa’, pu[ʒ]ar ‘pujar’
“subir”, variantes idiossincráticas compartilhadas com o catalão
oriental peninsular (jonc
“junco”, heura “hera” e dimarts “terça-feira”, em vez de cat. oc. junc, hedra e dimats respectivamente), incoativos em
[ə] ou [ε] (servesc
“sirvo”, serveix “serve”),
certo vocabulário (mirall
“espelho” e não espill, llombrígol “umbigo” e não melic);
cabe acrescentar os sobrenomes baleáricos correspondentes a topônimos
da área oriental (Manresa,
Blanes, Valls, Mataró, Begur). Entre as características mais estendidas
citemos a neutra tônica arcaica (< ē longa, ĭ
breve latinas: c[ə]ba “cebola”
< cepa), que ocupa
a maior parte de Maiorca, a metade de Menorca e dois terços de Eivissa;
o [v] mantido fielmente ([v]aca);
a geminada [ll] não palatalizada procedente dos grupos latinos -t’l-, -d’l-, -jl- (espatla
“ombro”, motlo “molde”,
batle “prefeito”); o artigo pessoal en, na,
n’, fiel à língua antiga
(en Joan “o João”, n’Andreu “o André”, na Maria
“a Maria”); o artigo derivado de ipsu,
ipsa, es cap “a
cabeça”, (amb) so cap “(com) a cabeça”, sa cama “a perna”, es braços “os braços”, es (ets)
aŀlots “os rapazes”, ses
cames “as pernas”, que contrasta com o uso de el, la antes de palavras
que implicam respeito ou volume e em frases feitas (el rei, la Mare de Déu, a les bones; apenas em Pollença eu
cap “a cabeça”, la nina
“a menina”, etc.); a desinência zero na pess. 1 do presente
do indicativo (cant, sent), a desinência –am,
-au do presente do indicativo das pess.
4 e 5 dos verbos da primeira conjugação (cantam,
cantau), a vogal temática
à (e não é) do imperfeito do subjuntivo dos verbos da 1ª. conjugação (cantàs, -asses, etc.), arcaísmos (capell
‘barret’ “chapéu”, talent
‘gana’ “vontade”, torcar
‘eixugar’ “enxugar”, arena
‘sorra’ “areia”, fus ‘fos’ “fundido”) e arabismos (Omar, Algaida, almud “unidade
de medida”, a betzep o
betzef ‘a dojo’ “a cântaros”, estormia “pufe rústico”).
Não
são traços tão gerais o [o] átono mantido em Maiorca (salvo em Sòller)
(d[o]nar), que se fecha em [u] por harmonia
vocálica com o [i] tônico (b[u]cí ‘bocí’ “bocada”); a perda da vogal final
do segmento átono -ia
(famili ‘família’, rabi ‘ràbia’ “raiva”); a palatalização em povoações maiorquinas de
[k], [g] antes de vogal central ou anterior e em posição final ([cap],
[kuc]; algumas perdas de -s-
intervocálico (roegar ‘rosegar’ “roer”, camia ‘camisa’); a combinação acusativo-dativo
(el me dónes [el llibre]
‘me’l dónes’ “dá-mo”, “dá-me isso”).
O
menorquino caracteriza-se
pelo progresso da desinência -és,
-essis, etc. (em vez de
-às, -assis
etc.), certas mudanças semânticas (fesols
‘pèsols’ “ervilhas”, de veres
‘de pressa’), palavras vivas que a normativa recuperou (arranjar, aranja “toranja”)
e lexemas próprios (vinjolita
‘oreneta’ “andorinha”, vamellara
“naturalmente”, “é claro”); por mor da presença britânica na ilha
durante o s. XVIII, recebeu alguns anglicismos (boínder
“sacada coberta”, xoc
‘guix’ “giz”.
O
eivissenc, além do uso
do pretérito perfeito simples (cantí,
cantares, etc.) e o mantimento
da nasal em plurais como hòmens,
tem um acervo de preciosos arcaísmos (quelcom
“algo”, llagui ‘destorb’
“estorvo”, mels de sa cara ‘pòmuls’ “maçãs do rosto”),
exibe bastantes palavras próprias (tatar
‘guaitar’ “vigiar”, toŀlar
‘atalaiar’ “enxergar”) e manifesta uma destacável influência do
valenciano por causa das suas freqüentes relações comerciais, marinheiras
e eclesiásticas (paloma ‘papallona’ “borboleta”, amprar ‘manllevar’ “emprestar”, gord ‘gras’ “gordo”).
d)
Alguerès
É o dialeto mais singularizado dentro do conjunto
catalão, especialmente pela influência do adstrato sardo e do italiano.
É uma variedade do catalão falado em l’Alguer desde o s. XIV pelos
catalães que, depois de expulsar os seus habitantes, Pedro o Cerimonioso
instalou aí para ter gente adita à coroa.
Se
situamos o alguerès dentro
do catalão oriental é sobretudo em aplicação de critérios como a
passagem de [o] átono > [u] ([du'ro] ‘dolor’ “dor”) e o das vogais
átonas a, e
a um vogal [a], central como o [ə]
(c[a]val ‘cavall’ “cavalo”, n[a]bot ‘nebot’ “sobrinho”), assim como os
incoativos em e (parteix “parte”). Entre outras características, umas são imputáveis
ao arcaísmo, como o /v/ labiodental ([v]al
‘vall’ “vale”), o artigo lo,
as formas plenas dos pronomes pessoais (ma
‘em’ “me”, ta ‘et’ “te”,
sa ‘es’ “se”), a desinência zero da pess.
1. do presente do indicativo (cant),
como em baleárico, ou palavras como flastomar
‘blasfemar’, ixir ‘eixir,
sortir’ “sair”, gonella
‘faldilla’ “saia”; outras características são tributárias dos dialetos
sardos, como o rotacismo do -d-
intervocálico e do -l- intervocálico ou precedido de consoante
(munera ‘moneda’ “moeda”,
vira ‘vida’, ungra ‘ungla’ “unha”); a conversão em l de r + consoante (talda ‘tarda’ “tarde”), talvez a despalatalização
de [ɲ] e [ʎ] em posição final (an ‘any’ “ano”, gal ‘gall’
“galo”), o sufixo diminutivo -edo
(porquedo ‘porquet’ “porquinho”), a antecipação
do particípio ao auxiliar em frases interrogativas (venguti sés? ‘has vingut?’ “vieste?”) ou
uma profusão de vocábulos (murendu
‘ase’ “asno”, eba ‘egua’
“égua”). A influência espanhola, especialmente na administração,
deixou palavras como agualdar ‘esperar’ “aguardar”, juria ‘mongeta’ “feijão”, pusentu ‘cambra’ “quarto, aposento” e o
superstrato italiano, através da escola e dos meios de comunicação,
manifesta-se em unidades como fra
‘entre’, sècol ‘segle’
“século”, dirit ‘dret’ “direito”.
(Fonte:
VENY, Joan. Petit atles lingüístic
del domini català. V. 1. Barcelona: Institut d’Estudis Catalans,
2007, p. 23-28.)
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