História
da língua catalã
As línguas românicas
As línguas românicas ou
neolatinas são aquelas que provêm da evolução
espontânea do latim popular nos diferentes territórios
que compunham o Império Romano depois de ruir.
O espaço em
que atualmente se falam línguas derivadas do latim denomina-se
România; divide-se em dois grandes blocos: oriental
(italiano e romeno) e ocidental (galego-português,
castelhano, catalão, occitano, francês e reto-românico).
Os critérios seguidos para estabelecer esta divisão
são: o mantimento ou a sonorização das oclusivas
surdas intervocálicas (-p-, -t-, -k- > -b-, -d-, -g-)
e a realização do plural com vogal (procedente do
nominativo latino) o com esse (procedente do acusativo). Aproximadamente,
a linha que se considera como fronteira entre estes dois blocos
é a que vai entre as cidades italianas de La Spezia e Rimini.
Separa os dialetos italianos em dois grupos pertencentes às
duas Românias. O sardo é um caso à parte,
já que compartilha traços dos dois blocos (não
sonoriza e faz os plurais com esse).
A România lingüística
não coincide totalmente com o Império Romano. Na parte
oriental deste a língua de cultura era o grego, admirado
pelos romanos. Apesar disso, há registro de duas línguas
românicas extintas no Oriente, o dálmata que
perdurou com dificuldades até o século XIX, e o romance
norte-africano, que desapareceu com a invasão árabe.
Nas zonas mais debilmente romanizadas (Germânia, Panônia,
Britânia, Vascônia), ao cair o Império o latim
desapareceu a favor das línguas autóctones ou dos
povos invasores.
Atualmente, por razões
histórico-políticas algumas ou parte destas línguas
ficam englobadas dentro de estados que usam outras (românicas
ou não) como oficiais. Assim, dá-se partida a um processo
de bilingüização que pode desembocar numa substituição
lingüística.
Por outro lado, existem umas variedades lingüísticas
(asturo-leonês, aragonês, gascão, franco-provençal,
corso, norte-italiano, vêneto, sul-italiano, siciliano) com
uma personalidade muito marcada; poderiam, inclusive, ser consideradas
como línguas se fossem deixados de lado fatores extralingüísticos.
Os chamados "dialetos italianos" tiveram mais vitalidade
do que o resto das variedades porque o processo de satelitização
é muito tardio (unificação italiana do século
XIX). As outras, como o aragonês e o franco-provençal,
iniciaram esse processo a partir dos séculos XII e XIII.
A época pré-romana
Antes da chegada dos romanos, habitam
a zona dos Países Catalães povos de vária procedência.
Na área pirenaica encontramos povos que mantiveram falas bascóides
até o século X ou XI. Na costa vivem os povos de cultura
ibérica (população autóctone com influências
da cultura grega e fenícia). Nas Baleares existe uma cultura
própria, a talaiótica, certamente proveniente do Mediterrâneo
oriental. Mais tarde chegam povos indo-europeus emigrados do centro
da Europa e espalham-se pelo centro da atual Catalunha.
Posteriormente, os
gregos e os cartagineses fundam colônias comerciais nas costas
e entram em contato com os indígenas. Os gregos se assentam
em Empúries e Rodes e os cartagineses em Eivissa (Ibiza).
As línguas
destes povos constituem o substrato do catalão, mas por causa
da forte romanização a sua influência é
débil. O legado lingüístico pré-romano
se centra basicamente na toponímia e um pouco de léxico
esquerra "esquerda", pissarra "lousa",
paparra "carrapato", são palavras de origem
bascóide ou ibérica; ble "mecha",
llauna "lata", carro "carroça",
rusc "colméia"; são de origem indo-européia.
Formação e expansão
do Império Romano
Em 218 a.C. as tropas romanas que
combatiam os cartagineses entram por Empúries. Começa
assim a dominação romana, que dura até o século
V d.C. Esta não é simplesmente política, mas
também cultural e lingüística. É o processo
que se chama romanização, pelo qual os povos autóctones
têm de adotar a língua e a cultura latinas. A romanização
se inicia nas zonas costeiras através das cidades e das vias
de comunicação, e depois penetra progressivamente em
direção ao interior.
O latim da Tarraconense
é o dos soldados, dos mercadores e dos colonos; portanto,
uma língua bastante popular, se o comparamos com o de outras
zonas, como a Bética, onde é de tipo mais culto. Esse
latim inovador é o que será a base do catalão
A situação histórica
e lingüística antes do século XIII
As invasões germânicas
do século V produzem o afundamento do Império Romano.
Assim se quebrava o último freio que impedia a evolução
e a diferenciação do latim popular e a ruptura da consciência
de unidade.
Os visigodos, expulsos
da Occitânia pelos francos, instalam-se na península
Ibérica. Este povo, a longo prazo, adota a língua
e a cultura dos conquistados. Portanto, o superstrato germânico,
no caso do catalão, reduz-se, sobretudo, a léxico
majoritariamente de tipo militar (guerra, espia, guaita "vigia",
elm "elmo"), antropônimos (Aribau, Guifré,
Arnau e muitos outros nomes que constituem uma parte importante
na onomástica catalã), e topônimos (Riquer,
Llofriu, Guimerà, la Geltrú). Estes topônimos
germânicos concentram-se na Catalunha Velha, certamente pelo
reforço da posterior influência franca.
No século VIII
a Península é invadida pelos árabes. Estes,
duma forma rápida e pactária com os nobres locais,
controlam a maior parte da Hispânia e conseguem a arabização
e a islamização do território. Nas suas incursões
chegam até Poitiers (732), onde são detidos e derrotados
pelos francos. Carlos Magno, imperador franco, no seu afã
de restaurar o Império Romano do Ocidente, leva a cabo uma
política expansionista, pelo que cria um sistema defensivo
e expansivo ao mesmo tempo nas fronteiras: as marcas. Depois
de Poitiers, os francos, para deter os árabes, conquistam
o norte da Península até o Llobregat. A zona pirenaica
oriental torna-se a Marca Hispânica, que fará parte
do Império Carolíngio. Este é o núcleo
original da Catalunha. A Marca é organizada em condados que
dependem teoricamente dos imperadores carolíngios, mas que
na prática têm uma grande capacidade de decisão
própria. A distância e a debilidade do Império
levam a um enfraquecimento dos vínculos políticos,
a ponto de, durante o mandato de Borrelo II [Borrell II] (947-992),
conde de Barcelona, acabarem quebrando-se. Isto pode ser considerado
o início da independência dos condados catalães
(no século IX). Logo o condado de Barcelona transforma-se
no centro aglutinador. Por causa da presença árabe
no sul, as relações dos condados catalães encaminham-se
majoritariamente em direção ao norte, em direção
à Occitânia. Os condes barceloneses chegam a possuir
e a controlar vastos territórios occitanos, sempre em concorrência
com o condado de Tolosa. Esse domínio finaliza com a batalha
de Muret (1213), na qual Pedro o Católico é derrotado
pelas tropas franco-tolosanas. Fechada a expansão para o
norte, o único caminho é o sul, onde o poder central
árabe se debilitou e os territórios muçulmanos
se dividiram em pequenos reinos, chamados taifas. Este enfraquecimento
e divisão é aproveitado pela Coroa catalano-aragonesa,
que se expande pelo sul.
A invasão árabe
é importante lingüisticamente porque possibilita a diferenciação
e o nascimento dos vários romances hispânicos, acuados
em zonas montanhosas e mal comunicadas. A partir do século
IX o latim popular evoluiu de tal modo que já existe a consciência
de falar algo diferente: as falas românicas. Portanto, a partir
desse momento o latim falado nos condados catalães, na Catalunha
Velha, já pode ser considerado catalão. Esta deve
ser a zona original da língua catalã, o único
romance peninsular que se forma em contato com o occitano por razões
geopolíticas. Esta é a causa das semelhanças
catalano-occitanas, que originam a qualificação do
catalão como língua galo-românica. O catalão
dos séculos IX-XI é conhecido com o nome de catalão
pré-literário, pelo fato de não ter textos
escritos, já que a língua da escrita por excelência
é o latim. Precisamente, conhecemos o estágio evolutivo
do catalão por meio de textos latinos escritos por pessoas
pouco destras no uso desta língua, que deixavam escapar alguma
"catalanice" de vez em quando.
Como já dissemos
antes, o núcleo primitivo do catalão reduz-se aos
condados catalães na maior parte da Catalunha Velha. No Pallars
e Ribagorça mantém-se uma ilhota de língua
pré-romana, certamente de tipo bascóide, até
os séculos X e XI por razões de isolamento geográfico.
A catalanização deste território está
ligada à sua cristianização. O Capcir, segundo
Joan Coromines, era uma área lingüisticamente occitana
que progressivamente foi se catalanizando, e deu como resultado
o atual dialeto de transição falado nesse vale. Inclusive,
aponta a hipótese de a variante do Rossilhão, originalmente,
ser um dialeto de transição occitano-catalão,
do mesmo aspecto que o atual do Capcir.
Na zona sob o poder
árabe do futuro domínio catalão (a Catalunha
Nova, o País Valenciano e as Ilhas Baleares), depois da invasão,
mantêm-se durante bastante tempo umas falas autóctones
derivadas do latim, mal conhecidas. Com a progressiva arabização
e islamização dos hispano-romanos, estas falas conhecidas
sob o nome genérico de moçárabe vão
desaparecendo, a ponto de certamente não existirem mais quando
se produz a conquista catalano-aragonesa. Embora o moçárabe
seja pouco conhecido, é certo que não era unitário
e que estava fragmentado em vários falares. Joan Coromines
mantém a hipótese de que o moçárabe
da zona de Lleida e de Tarragona era muito achegado ao catalão,
à diferença do de Tortosa, do País Valenciano
e das Baleares. Através da toponímia, podemos deduzir
traços destas falas moçarábicas, como o mantimento
do -o final (Caro, Pego, Muro), a não sonorização
as oclusivas surdas intervocálicas (Petra, Orxeta),
e a presença de sufixos próprios -atx, -itx, -utx
(Andratx, Llinàritx, Fornalutx).
Embora a sua incorporação
tenha se produzido durante o século XIV, seria preciso falar
de l'Alguer, já que nesta cidade sarda a população
autóctone é expulsa pelos catalães e repovoada
por gente do Principado; o núcleo manteve-se até hoje,
apesar do isolamento demográfico e a exigüidade da população.
A expansão catalã
no século XIII
Em 1137 o rei de Aragão, Ramiro
o Monge, entrega a sua filha Petronila ao conde catalão Raimundo
Berengário IV [Ramon Berenguer IV]. A partir deste momento
produz-se a união dinástica do condado de Barcelona
com o reino de Aragão. Esta união dá-se nuns
termos que hoje em dia poderiam ser considerados de confederação,
já que cada reino conserva as leis e as instituições
próprias. A casa da Catalunha-Aragão leva a cabo a expansão
em direção ao sul muçulmano. Numa primeira etapa,
conquista-se a Catalunha Nova e o sul de Aragão (no século
XII). Numa segunda, no século XIII, anexam-se as Ilhas Baleares
e o País Valenciano até a linha Biar-Bussot. Porém
Menorca continua sendo um território muçulmano tributário
do rei catalano-aragonês até 1287. Num terceiro momento,
a partir de 1266, conquista-se a demarcação de Oriola,
que já tinha sido ocupada e repovoada por Jaime I junto com
a várzea murciana, que cedeu a Castela. A expansão política
catalã significa a submissão ou a expulsão dos
muçulmanos e um posterior repovoamento. Isto comporta a substituição
lingüística do árabe pelo catalão. A Catalunha
Nova e as Baleares são repovoadas integramente com catalães,
e a primitiva população árabe é majoritariamente
expulsa. Os repovoadores das Baleares procedem principalmente da zona
oriental do Principado, o que pode explicar alguns traços dialetais
do baleárico atual (iotacismo, neutra tônica, artigo
es/sa...). O caso valenciano é diferente. A falta de
repovoadores obriga Jaime I a conservar grande parte da população
árabe, que são chamados, a partir de agora, de mouriscos.
Além disso, o repovoamento foi feito por catalães e
aragoneses. Os primeiros dominarão o litoral e os segundos
se concentram no interior, o que explica a partição
lingüística do País Valenciano. A expansão
e o repovoamento chegam até as terras da várzea murciana,
onde, apesar de fazer parte da coroa castelhana, se fala catalão
até o século XVI.
Esta máxima
expansão da língua catalã experimenta posteriormente
um retrocesso. Na várzea murciana e no baixo Segura o catalão
desaparece a partir do século XVI pela influência e
imigração castelhanas. Ficam bastante catalanismos
no castelhano dialetal de Múrcia (o panocho), como
pernil 'pernil' "presunto" (cast. jamón),
pésoles 'pèsols' "ervilhas" (cast.
guisantes), pancha 'panxa' "pança"
(cast. panza). Em relação ao País Valenciano,
a definitiva fronteira lingüística castelhano-catalão
fica fixada a partir da expulsão dos mouriscos (no século
XVII), quando uns e outros ocupam os vazios deixados por estes.
Isto explica as ilhotas de Asp e Monfort, antigos lugares mouriscos,
que foram repovoados com castelhanos. Também justifica os
falares dialetais com traços maiorquinos de Tàrbena
e do vale de Gallinera, que são terras repovoadas no século
XVII por maiorquinos. Igualmente houve um pequeno retrocesso na
Ribagorça, motivado pelo despovoamento de zonas fronteiriças
por causa da Guerra dos Segadores (no século XVII) e um posterior
repovoamento aragonês.
Na segunda metade
do século XIII, a língua supera a etapa arcaica primitiva
e torna-se uma língua literária e administrativa,
com figuras como Ramon Llull.
A expansão da Coroa catalano-aragonesa
(séculos XIII-XV)
No século XIV produz-se a expansão
da Coroa catalano-aragonesa pelo Mediterrâneo: Sardenha, Nápoles,
Sicília, e Atenas e Neopátria, na Grécia (expedição
dos almogávares). Torna-se uma grande potência política
i comercial. Isto repercute no catalão, que adquire a categoria
de língua européia de prestígio. É uma
língua conhecida em muitas cortes e bastante usual entre os
comerciantes do Mediterrâneo.
A língua catalã
influi sobre os idiomas dos territórios dominados de diferente
maneira. No caso da Sardenha, a influência é muito
mais profunda que no resto, porque foi a língua oficial,
junto com o latim, até o século XVII. Isto se reflete
na grande quantidade de catalanismos léxicos que tem o sardo,
sobretudo nos dialetos meridionais (campidanês). Por exemplo,
conservam-se nomes de peixes como surellu 'sorell' "xaréu",
aragna 'aranya' "peixe-aranha", nomes de ofícios
como fusteri 'fuster' "carpinteiro", judji
'jutge' "juiz", pikkaperderi 'picapedrer' "pedreiro",
i outros como mukkadori 'mocador' "lenço"
e arrekkadas. E, ademais, existe l'Alguer, onde se fala catalão
porque no século XV a população autóctone
sarda é afugentada e substituída por catalães.
Na Sicília
e em Nápoles a influência é menor; porém,
sobretudo na Sicília, há uma importante colônia
catalã, que nos deixou uma extensa documentação.
Além disso, o catalão é a língua da
Corte e de parte da nobreza. Nos dialetos sicilianos e napolitanos
perduraram catalanismos como cairedda 'cadira' "cadeira",
ngargiola 'garjola' "xilindró", imbolicari
'embolicar' "envolver", "enredar", etc.
Em Atenas e Neopátria
só podemos falar duns contatos lingüísticos que
não deixaram testemunhos no grego, mas sim no catalão.
Trata-se de helenismos medievais centrados no léxico marinheiro,
como palangre "linha de pesca", politx, xarxa
"rede", ormejar "armar", escar
"varadouro", etc.
A península Ibérica
dos séculos XV-XVII
A Coroa de Castela torna-se no século
XV cada vez mais o núcleo hegemônico da península
Ibérica. Dá-se partida a este processo com a união
dinástica da Coroa de Aragão e da castelhana (1479).
Isto comporta para as catalães a perda duma corte própria
e da Chancelaria Real, início da progressiva subordinação
política, lingüística e cultural a Castela. Este
processo continua com a conquista do último reduto árabe
da Península, o reino de Granada (1492), com a anexação
de Portugal (1580-1640). Embora Castela seja o centro predominante,
o Estado funciona como uma confederação cada vez mais
debilmente, até os Bourbon.
Esta época
é conhecida com o nome de Decadência, que é
um processo que se enceta no século XV e perdura até
o século XIX. Este processo se inicia por uma série
de acontecimentos sociopolíticos. No século XV a Catalunha
encontra-se exausta pelas guerras civis e pela peste que despovoou
e arruinou o país. A preponderância dentro da Coroa
de Aragão passa a Valência, foco de máximo esplendor
econômico e cultural do século. No século XVI
tem lugar a revolta das Irmandades (Germanies), que afeta
Valência e as Baleares. É um embate das classes populares
(comerciantes, mesteirais e camponeses) com a aristocracia. A derrota
dos irmandinhos significa um empobrecimento do país e uma
subordinação das classes dirigentes a Castela, sem
ajuda da qual não teriam podido vencer. No século
XVII, a política absolutista do conde-duque de Olivares provoca
revoltas em Portugal e na Catalunha. Portugal consegue a independência,
porém a revolta dos segadores fracassa e comporta a perda
do Rossilhão, que passa a mãos francesas (1659). Também
no século XVII produz-se a expulsão dos mouriscos,
que deixa despovoado o campo valenciano e agrava a crise. Todos
estes acontecimentos têm como conseqüência a perda
de poder político, a crise econômica e a subordinação
das classes dirigentes autóctones às castelhanas.
Esta preponderância
política implica uma expansão do castelhano à
custa de outras línguas peninsulares, ganhando-lhes terreno
ou funções. A seguir comentaremos o panorama lingüístico
da época. Quanto ao galego-português, cabe diferenciar
a situação da Galiza e a de Portugal. Na Galiza as
classes dirigentes já estavam castelhanizadas. Em Portugal,
durante a sua união com Castela, conserva-se a oficialidade
do português, embora comece uma bilingüização
da aristocracia que fica cortada com a independência.
O asturo-leonês
e o aragonês já faz tempo que ficaram subordinados
ao castelhano. Este processo, que se inicia dentro das classes mais
poderosas e cultas, já afeta as classes populares, que hibridam
a sua fala cada vez mais com o castelhano. Isto provoca o retrocesso
destas línguas, o acuamento nas zonas montanhosas e a perda
de consciência lingüística, com todas as conseqüentes
conotações de falares rurais.
A situação
do basco é semelhante. As classes altas e as cidades se castelhanizam
e esta língua experimenta um forte recuo territorial.
Os mouriscos conservam
a sua fala árabe pelo fato de serem comunidades fechadas
e ser a língua um símbolo da sua cultura, apesar da
forte pressão castelhanizadora.
Quanto ao catalão, a situação é diferente
e melhor, já que a língua é oficial e tem toda
uma tradição cultural e literária por detrás.
De todo jeito, a perda de poder político e econômico
comporta o início dum processo de substituição
lingüística: a Decadência. Este fenômeno,
como sempre, inicia-se nas classes altas. O castelhano, como língua
da Corte, vai se introduzindo e ocupa os usos e funções
elevados, deslocando o catalão. A produção
escrita, tanto literária como documental, míngua consideravelmente
e a que há se subordina aos modelos castelhanos. Pouco a
pouco, o castelhano torna-se a língua de cultura dos catalães.
Além disso, na linguagem coloquial vão penetrando
cada vez mais castelhanismos. Outra conseqüência da perda
de poder é o enfraquecimento da consciência da unidade
lingüística. Enceta-se durante o século XV em
Valência, que começa a marcar distâncias com
respeito à Catalunha por causa da sua pujança econômica
e do seu florescimento cultural. A falta dum poder aglutinador,
como é a Chancelaria, acelera o processo de fragmentação
dialetal. Tudo isso provoca a aparição das primeiras
manifestações de secessão lingüística.
A Guerra de Sucessão
A culminação do processo
de decadência é a Guerra de Sucessão. Morto Carlos
II sem descendência, sobe ao poder o pretendente francês
Filipe de Bourbon, fronte ao aspirante austríaco, o arquiduque
Carlos. Castela e a França apóiam Filipe V, e a Coroa
de Aragão, Áustria, Inglaterra, Holanda, Portugal e
Prússia, o arquiduque Carlos. Nesta guerra misturam-se, por
um lado, o modelo de estado (absolutista, o de Filipe; confederativo,
o de Carlos) e, por outro, a luta pela hegemonia européia para
evitar o predomínio francês. Os exércitos franco-espanhóis
conquistam a Coroa de Aragão, e as potências que apoiavam
o arquiduque austríaco acabam aceitando o rei Bourbon em troca
das últimas possessões espanholas na Europa. Pelo tratado
de Utrecht (1713) cede-se Gibraltar e Menorca à Inglaterra.
Menorca, sob domínio britânico, será o único
lugar onde o catalão é língua de cultura e oficial.
Pelo Decreto de Nova
Planta (1716), o resto da Coroa de Aragão perde definitivamente
o poder político que lhe restava e as suas instituições.
Os Bourbon imporão progressivamente o castelhano, de modo
que o catalão escrito fica gradualmente limitado à
igreja, ao ensino primário, à administração
local e à documentação privada, incluída
a notarial.
Em fins do século
XVIII a Catalunha supera a crise econômica iniciada no século
XV e nasce uma burguesia mercantil. Embora esta classe ilustrada
creia que o catalão só é apto para usos familiares,
desperta-se um interesse em conhecer a história e a cultura
catalãs medievais; interesse que põe as bases da Renaixença.
O século XX
O século XIX abre-se com a
invasão francesa de 1808, que ocasiona a anexação
temporal da Catalunha ao império francês. Até
a época da Restauração, com Afonso XII, o Estado
espanhol vive um constante embate entre absolutistas e liberais. Na
Catalunha, as cidades industrializadas pendem para o liberalismo,
as zonas mais rurais para o absolutismo ou para o carlismo. Um exemplo
da lenta modernização do Estado é a divisão
provincial, calcada no modelo francês. São feitas três
divisões provinciais, cuja derradeira é a atual.
O regime constitucional
faz desaparecer o catalão de todos os usos públicos,
administração municipal, ensino elementar e tabelionato,
e obriga a Igreja a redigir castelhano toda a documentação
(registros paroquiais, atos capitulares, etc.) ali onde ainda se
faz em catalão.
Lingüisticamente,
entre as classes dirigentes catalãs segue a crença
de que o catalão não é apto para usos oficiais,
apenas é válido para o ambiente familiar. Literariamente,
aceita-se inicialmente para a poesia e não para outros gêneros
literários.
A Catalunha se industrializa,
enquanto o País Valenciano e as Baleares permanecem agrários.
Esta burguesia catalã, no princípio do Estado liberal
espanhol, inclina-se cada vez mais pela opção nacionalista.
Este clima favorece a aparição da Renaixença
("renascimento"). É um movimento estritamente literário,
e às vezes folclórico, que pretende a recuperação
da língua e da cultura catalãs. Este movimento tem
bastante incidência na Catalunha, é mais discreto nas
Baleares, tem muito pouca força no País Valenciano
e nula na Catalunha do Norte. A partir de 1890, põem-se as
bases do Modernismo, movimento em que confluem a recuperação
e a modernização culturais e lingüísticas
com o nacionalismo político. É durante esses anos
que Pompeu Fabra, por meio de L'Avenç ("O Avanço"),
começa a pôr os fundamentos da sua reforma lingüística,
a qual se concretiza nas Normes ortogràfiques ("Normas
ortográficas") de 1913. Durante a época da Mancomunitat
todo este esforço individual normalizador do catalão
se institucionaliza. De novo o catalão é usado pela
administração local. Cria-se toda uma infra-estrutura
cultural de escolas, bibliotecas, etc.
A Constituição
republicana de 1931 e o Estatuto de autonomia de 1932 permitiram
recuperar o governo da Catalunha (a Generalitat) e que o catalão
fosse declarado língua co-oficial, o que comportou a realização
duma intensa atividade política de apoio ao seu ensino. A
Guerra Civil espanhola (1936-1939) interrompeu os processos autonomistas
das Ilhas Baleares e das terras valencianas. Depois da guerra, a
ditadura franquista (1939-1975) perseguiu o catalão de forma
intensa e sistemática com a proibição absoluta
de utilizá-lo na Administração, no ensino,
nos meios de comunicação, nas associações,
na edição de livros, jornais ou revistas, no envio
de telegramas, nas emissoras de rádio e de televisão,
no cinema, na documentação administrativa, tabeliônica,
judicial ou comercial, na sinalização viária
e comercial, na publicidade etc. Estas restrições
não se suavizaram até os anos 60. Nesse tempo muitos
escritores formados na época anterior, alguns deles do exílio,
como Josep Carner, Carles Riba, Josep Maria de Segarra, Josep Vicenç
Foix, Josep Pla, Salvador Espriu, Mercè Rodoreda, Pere Calders,
Joan Fuster, Vicent Andrés Estellés ou Llorenç
Villalonga escreveram obras de grande relevo.
Apesar de tudo, a
língua catalã manteve-se como língua de transmissão
familiar em todos os territórios de fala catalã até
que, com a recuperação das liberdades democráticas,
normalizou-se o seu uso em escolas, meios de comunicação,
mundo econômico e indústrias culturais.
A Constituição
espanhola de 1978 reconhece a pluralidade lingüística
do Estado e estabelece que as línguas espanholas diferentes
do castelhano podem ser oficiais de acordo com os estatutos de autonomia.
O catalão hoje
O catalão tem algumas das
características das chamadas línguas minoritárias,
como uma população bilingüizada, a pertença
dos territórios a estados mais extensos onde a língua
da maioria é outra. Não obstante, o catalão
não pode ser considerado uma língua minoritária
já que se diferencia disto por vários motivos que
a situam entre as línguas européias de demografia
reduzida:
Pelo seu estatuto
jurídico
É oficial num estado soberano (Andorra) e, ao lado do castelhano,
em três comunidades autônomas espanholas, fato que comporta
uma presença muito significativa na Administração
pública, o seu ensino obrigatório no sistema educativo
(na Catalunha o catalão é também a língua
veicular da educação) e uma elevada presença
na universidade.
Pela sua demografia
O nome de pessoas que o falam é superior ao das que falam
finlandês ou dinamarquês, e equiparável ao das
que falam sueco, grego ou português na Europa.
Pela sua situação
sociolingüística
Não foi abandonado pelos seus falantes e é transmitido
de modo intergeneracional com normalidade.
Pela sua presença crescente
nos meios de comunicação há 25 anos, apesar
da inexistência dum espaço audiovisual para toda a comunidade
catalano-falante.
Atualmente a Catalunha
conta com três canais de televisão (TV3, K3/33, 3/24)
de grande aceitação popular que emitem 100% em catalão,
além dum canal por satélite. A Comunidade Valenciana
conta com dois canais públicos: Canal 9, parcialmente em
valenciano, e Punt 2, que emite 100% em valenciano. A seu turno,
o Governo das Ilhas Baleares criou a televisão IB3, que também
emite parcialmente em catalão. A tudo isto cabe acrescentar
um número crescente de televisões locais e as desconexões
territoriais de cadeias públicas estatais.
Em relação
à rádio, as várias emissoras públicas
autonômicas da Catalunha (icatfm, Catalunya Informació,
Catalunya Música, Catalunya Cultura, Com Ràdio) e
da Comunidade Valenciana (Canal 9), junto com algumas emissoras
privadas (Rac 1, FlaixFM...) e um grande número de emissões
locais garantem uma presença destacável do catalão
nas ondas (mais de 50%, muito variável segundo os territórios).
A presença
da língua na imprensa diária representa 20% da difusão
total de imprensa quotidiana, apesar da existência de vários
jornais exclusivamente em catalão: Avui, El Punt, Regió
7, Diari de Girona e El Nou 9 na Catalunha; o Diari
de Balears em Maiorca, e o Diari d'Andorra e o Periòdic
d'Andorra no Principado de Andorra, além das versões
catalãs dos jornais El Periódico e Segre
e o seminário El Temps, editado em Valência.
A isto cabe acrescentar umas 250 revistas e publicações
especializadas ou de âmbito local e de periodicidade variável.
Por outro lado, esta situação é compensada
pela proliferação de jornais digitais.
Pela sua tradição
e vitalidade literária
Conta com textos escritos, ininterruptamente, desde o século
XII e atualmente conta com mais de 1.200 autores literários
vivos. Todos os anos publicam-se uns 10.000 volumes em catalão,
12,1% do total do Estado espanhol.
Pelo seu equipamento
lingüístico
É um idioma plenamente codificado, normatizado e padronizado
com um total consenso acadêmico e os seus recursos lingüísticos
e estudos sobre gramática, lexicografia, etimologia, dialetologia,
terminologia, história da língua ou onomástica
são comparáveis com os das grandes línguas
neolatinas. Além disso, dotou-se de ferramentas terminológicas
necessárias para poder estar presente em todos os novos âmbitos
tecnológicos (www.termcat.cat).
Pela sua presença no mundo
das TIC
Segundo a informação do Softcatalà 2005 (a partir
da base de dados do buscador Google), o catalão é hoje
em dia a vigésima sexta língua da Internet, com 7.140.000
páginas. E a décima nona pelo número relativo
de webpages indexadas por falante, na frente do castelhano
(24ª. Posição), do português (31ª.)
e do chinês (33ª.). O uso global do catalão supera
50% nos sites de caráter comercial na Catalunha, com
grandes diferenças segundo os setores.
Além disso,
existem versões catalãs da maioria dos softwares
e sistemas operacionais, e algumas grandes firmas já tomaram
a decisão de incorporar o catalão como uma opção
lingüística de série para os seus produtos. Mesmo
assim, os grandes motores de busca oferecem também os seus
serviços em catalão.
Como fato extraordinário, cabe assinalar que a Internet Corporation
for Assigned Names and Numbers (ICANN) aprovou em 16 de setembro
de 2005 a criação do domínio .cat, que o primeiro
do mundo que se fundamenta numa definição puramente
cultural e lingüística. A proposta foi apresentada pela
iniciativa social e recebeu o apoio de mais de 68.000 entidades,
organismos e particulares.
(Fonte: DEPARTAMENT
de Cultura de la Generalitat de Catalunya. Mapes per a l'estudi
de la llengua catalana. 2. ed. Barcelona: Eumo, 1992, p. 25-33;
EL CATALÀ, una llengua amb història. Barcelona:
Institut Ramon Llull, p 8-12.)
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